16 Junho 2010
“A exploração dos recursos naturais para usos agrícolas e pecuários certamente é um dos principais agentes no processo de destruição da vegetação original do Paraná” é o que revela a pesquisadora Ana Claudia Müller. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, ela fala sobre o que levou o Paraná a manter, hoje, apenas 12% de sua vegetação original, e refletiu sobre os atuais problemas ambientais que o estado vem apresentando. “Com as mudanças climáticas, a mata de Araucária e os ambientes de campos naturais são tipos de formação e biomas que estão em extinção”, contou.
Ana Claudia Muller é pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que levou o Paraná a possuir, atualmente, apenas 12% de sua vegetação original?
Ana Claudia Müller – Esse dado não é uma particularidade do Paraná, mas sim de toda região sul e sudeste. Essas regiões tiveram mais exploração econômica para fins agrícolas e estão, hoje em dia, com um percentual que vai de 10% a 15% de cobertura florestal. Então, estes 12% do Paraná são fruto de uma exploração intensa dos recursos florestais para uso de lenha e construção. Nos anos 1980, houve um impulso muito grande na agricultura, e o estado perdeu uma grande parcela de sua cobertura florestal para ocupação agrícola e pecuária.
IHU On-Line – Desses 12% de vegetação que se mantêm hoje, quais são os biomas preservados e onde se situam?
Ana Claudia Müller – No Paraná, nós temos três grandes biomas: a floresta de Araucária, a floresta do litoral (usualmente chamada de floresta Atlântica) e temos a floresta Estacional Semidecidual, própria do interior do estado. Nós temos ainda um outro grande bioma que é o dos campos naturais que ocorrem nos primeiro, segundo e terceiro planaltos do Paraná. Desses quatro ambientes, todos sofreram uma pressão muito intensa. Por mais incrível que pareça, a floresta Atlântica é a que se encontra em situação mais positiva em termos de conservação de bioma. Nós temos ainda cerca de 77% da vegetação original. Ela está protegida porque se encontra quase toda em cima da Serra do Mar, cujo terreno é extremamente ondulado, o que não permite muita exploração nem ocupação territorial.
IHU On-Line – Qual era a cobertura vegetal do Paraná antes de sua destruição e quais eram suas características?
Ana Claudia Müller – Quase 100% do Paraná eram cobertos por uma vegetação nativa. Ela era formada por florestas do interior, florestas do litoral, florestas das Araucárias e pelos campos naturais – que são as paisagens que você vê nos campos de altitude, formadas por grandes extensões de matas com pequenas matas ciliares de Araucária. Mas com as mudanças climáticas, a mata de Araucária e os ambientes de campos naturais são tipos de formação e biomas que estão em extinção.
Com as atuais condições climáticas e geológicas, não podemos projetar nada, porque nosso estoque de biodiversidade está muito limitado. Por isso, quando falamos em números, temos que ter muito cuidado, por exemplo, os 12% de vegetação original preservada estão muito concentrados em uma formação do litoral. Então, nossa preocupação não deve ser só em relação ao percentual total, mas sim precisamos focar nos tipos de formação que compõem este percentual.
IHU On-Line – Quem são os principais agentes nesse processo de destruição?
Ana Claudia Müller – A exploração dos recursos naturais para usos agrícolas e pecuários certamente é um dos principais agentes no processo de destruição da vegetação original do Paraná. Ainda, no estado do Paraná, existe uma indústria madeireira grande, e que, desde 1996, praticamente vive de madeira de reflorestamento. Existe outra, na divisa com Santa Catarina, que usa matas nativas para a indústria madeireira. Mas, hoje, o que mais causa desmatamento é o uso agrícola que faz muita pressão porque precisa cada vez mais de áreas para plantio e fronteiras agrícolas. E como se consegue isso? Tirando o que resta de cobertura florestal.
IHU On-Line – Estudos do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) indicam que o uso dos agrotóxicos no Paraná é três vezes superior à média nacional. Quais são as razões?
Ana Claudia Müller – Na verdade, o Paraná está sendo pioneiro em lançar o volume real de agrotóxicos que são utilizados na agricultura. São poucos os estados que disponibilizam isso de uma forma tão precisa e detalhada. Então, o Paraná tem essa taxa tão alta, ou seja, 12 quilos de agrotóxicos por hectare ao ano, em relação à média nacional – que, em 2008, ficou em quatro quilos/hectare/ano – devido ao fato de que os nossos dados são mais detalhados. Outra razão pode ser em função de que o Paraná tem tido uma produtividade muito grande na área de soja, trigo e milho. Isso naturalmente não aumentou a nossa área de plantio, mas a tecnologia cresceu, o que implica, portanto, em mais maquinário, agrotóxicos, fertilizantes e manejo.
IHU On-Line – Quem são os grandes utilizadores de agrotóxico e onde se situam territorialmente no estado?
Ana Claudia Müller – Posso dizer que são as agriculturas intensivas ou monoculturas, assim como as grandes extensões de culturas intensivas como a soja, o trigo e o milho. Estes estão situados nas regiões cuja produtividade está em destaque, como o núcleo regional de Cascavel, que é um grande segmento agropecuário do estado. Depois, temos o núcleo regional de Londrina, que equivale à bacia do baixo Tibagi, e o núcleo regional de Ponta Grossa.
IHU On-Line – O cultivo da cana-de-açúcar vem avançando sobre a soja no estado do Paraná?
Ana Claudia Müller – Ele vem avançando, mas não é exatamente sobre a soja. O cultivo de cana-de-açúcar está situado na região de Paranavaí, de Maringá e de Jacarezinho. Esta cultura está substituindo as pastagens, na verdade. Desde 2002, a cana, ano a ano, vem crescendo muito a partir do discurso de produção alternativa como combustível renovável.
IHU On-Line – Que outros problemas ambientais o estudo do Ipardes identifica no Paraná?
Ana Claudia Müller – Há um problema ambiental que é o índice de qualidade das águas no Paraná, nas regiões metropolitanas, onde estão os grandes aglomerados urbanos. A situação em relação aos recursos hídricos no Paraná, detectados neste trabalho, é a seguinte: em termos gerais, o estado tem um grande potencial de recursos hídricos, mas a qualidade desta água, principalmente nas regiões mananciais que abastecem as cidades para consumo doméstico, é muito ruim. Na região metropolitana de Curitiba, há índices de qualidade de água que vão de extremamente poluído até a categoria poluída, muito poluída e mediana muito poluída. Não temos um ponto próximo aos mananciais que estejam na categoria muito boa, boa ou pouco poluída. Cerca de 85% do abastecimento de Curitiba têm qualidade de água muito comprometida. Este trabalho mostra muito bem isso, que a qualidade das águas nas regiões urbanas de grande adensamento urbano tem que ser uma grande preocupação porque é onde o recurso hídrico está sendo comprometido no nosso estado.
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O meio ambiente paranaense em alerta. Entrevista especial com Ana Claudia Muller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU