17 Novembro 2009
Uma das grandes necessidades do SUS hoje é, segundo a gestora do DATASUS Veralice Maria Gonçalves, disseminar os dados sobre o sistema e capacitar profissionais para que compreendam e saibam usar essas informações, olhando o usuário a partir do seu contexto de necessidades. “O problema não é o acesso à informação, a informação existe, está acessível para todos, mas vemos que muitas pessoas não têm formação específica para fazer com que esses dados sejam utilizados para gestão”, destaca ela que conversou, por telefone, com a IHU On-Line. Segundo Veralice, o aumento da expectativa de vida dos brasileiros é uma das principais mudanças que o SUS vem trabalhando para melhor atender a população. “Antigamente, tínhamos uma expectativa de vida muito menor e hoje, com o aumento da média de anos vividos, temos que planejar as ações de saúde e suporte. Por isso, a atenção à saúde do idoso é uma questão que nos preocupa muito. A outra questão diz respeito à violência, principalmente devido a acidentes de trânsito e assassinatos em jovens na faixa etária até 29 anos e do sexo masculino”, afirmou.
Veralice Maria Gonçalves é Gerente Regional do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde no Rio Grande do Sul. Recentemente ela participou do Fórum sobre Indicadores Socioeconômicos e Políticas Públicas: realidades e possibilidades para o Vale dos Sinos, realizado e promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – É possível pensar e fazer acontecer o Sistema Único de Saúde neste cenário que cresce no reconhecimento da saúde como mercadoria?
Veralice Maria Gonçalves – Saúde é uma responsabilidade pública, tanto em nível de gestão como a nível individual. É possível, portanto, fazer acontecer, porque o maior investimento em saúde tem sido feito ao longo dos últimos anos. No ano passado, o SUS completou 20 anos e foi considerado um dos maiores sistemas de saúde do mundo. Muitos países têm buscado a iniciativa do Brasil para implementar nos seus sistemas nacionais, inclusive porque existe desde atendimentos ambulatoriais até transplante de órgãos que são feitos só pela área pública. Assim, podemos imaginar que não é uma mercadoria que está sendo vendida, mas sim que está sendo promovida pelo governo.
IHU On-Line – Enquanto gestora das informações em saúde, quais os dados que mais surpreendem positivamente e negativamente em relação à realidade de saúde no RS e no Brasil?
Veralice Maria Gonçalves – No RS, temos alguns indicadores que mostram a realidade mais ou menos como a nível nacional. A maior parte dos óbitos tem sido em doenças respiratórias. Esses dados nos surpreendem em relação às questões de modificação que tem acontecido ao longo dos anos, como, por exemplo, a ampliação do número de anos que as pessoas vivem. Antigamente, tínhamos uma expectativa de vida muito menor, e hoje, com o aumento da média de anos vividos, temos que planejar as ações de saúde e suporte. Por isso, a atenção à saúde do idoso é uma questão que nos preocupa muito. A outra questão diz respeito à violência, principalmente devido a acidentes de trânsito e assassinatos em jovens na faixa etária até 29 anos e do sexo masculino. Essas são as questões principais de preocupação. A mortalidade infantil é um dos principais indicadores de avaliação, mas seu índice tem diminuído. Comparando com parâmetros internacionais, apesar de o RS ter um indicador baixo, ainda se espera que esse indicador diminua de duas casas para uma. A saúde do homem tem nos preocupado bastante em função do número de casos de óbitos por câncer de próstata, com isso, o Ministério da Saúde está investindo muito na implantação desse programa de Saúde do homem, que está sendo desenvolvido desde o ano passado.
IHU On-Line – Como o SUS pode ser analisado dentro da perspectiva de saúde coletiva e de integralidade em saúde?
Veralice Maria Gonçalves – O SUS é um sistema universal e foi construído a partir da Constituição Federal e regulamentado pela lei 8080 de 1990 – que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, além de organização e funcionamento dos serviços de saúde no Brasil. O SUS, sendo universal, atende também às pessoas que vêm de outros países para viver no Brasil. Eles são atendidos como os próprios brasileiros. A lei 8142 definiu a participação da comunidade na gestão do sistema de saúde e fala ainda sobre recursos e transferência entre os governos para financiar essa área. A integralidade é um dos princípios do SUS. É a pessoa ser atendida em todas as suas necessidades.
IHU On-Line – Que áreas do SUS ainda precisam ser implementadas?
Veralice Maria Gonçalves – Desde o início, o SUS pensou muito no atendimento amplo. E, em minha opinião, ainda se precisa ampliar muito o programa de Saúde da Família, essa é uma questão que traria para o SUS esse olhar de vínculo com o usuário, no seu próprio ambiente. Isso permite que se expanda algumas ações de prevenção, porque o olhar é focado exatamente no usuário, no seu ambiente e na sua coletividade. Assim, poderíamos estar discutindo mais as necessidades das pessoas. Outra questão que entendo que é muito importante e que poderia avançar é a própria participação e controle social como mecanismo muito importante para se viabilizar a ampliação do olhar na política de saúde, definindo algumas diretrizes necessárias para o atendimento da população. A terceira questão seria, para mim, a própria aplicação do recurso de cada nível de gestão. A Emenda Constitucional número 29 prevê um limite mínimo financeiro de aplicação de recursos de cada nível, ou seja, Ministério da Saúde, gestão estadual e gestão municipal. Atualmente, se tem uma aplicação muito maior dos municípios do que dos estados. Então, a aplicação efetiva desses recursos melhoraria muito o desenvolvimento e a ampliação da atenção básica, mas também para atendimento especializado.
IHU On-Line – A informação sobre saúde pode contribuir para a qualificação da saúde da população gaúcha e brasileira?
Veralice Maria Gonçalves – Com certeza. Um trabalho que o Ministério da Saúde e o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde têm feito foca na disseminação das informações que são produzidas pelos programas de saúde. O DATASUS é responsável pela manutenção das bases nacionais de saúde e, além do trabalho da disseminação, temos trabalhado na capacitação, qualificação e formação de gestores, profissionais e conselheiros de saúde para o uso dessa informação para gestão. O problema não é o acesso à informação, a informação existe, está acessível para todos, mas vemos que muitas pessoas não têm formação específica para fazer com que esses dados sejam utilizados para gestão. Existe a necessidade de se entender essa informação no contexto onde ela foi produzida, além disso, é preciso conhecer um pouco de análise epidemiológica e estatística para se fazer a comparação com parâmetros mundiais, do continente, entre estados e municípios. Se não tivermos essa formação não adianta produzirmos e disponibilizamos a informação. Ela precisa ser trabalhada e entendida. Nesse sentido, temos investido muito em informação, e a maioria das universidades, assim como órgãos de gestão em saúde, têm se preocupado com essa necessidade de formar as pessoas para entender e utilizar a informação em saúde para fazer gestão.
IHU On-Line – Quem são os principais agentes construtores do SUS hoje?
Veralice Maria Gonçalves – Hoje, os principais agentes construtores do SUS são as pessoas mesmo, a própria comunidade, desde que eles tenham o entendimento de como funciona o Sistema Único de Saúde. Todo o processo de elaboração da política de saúde vem em cima de uma determinada demanda local. O planejamento regional é feito com base em necessidades que se visualiza. Essas necessidades e definições de prioridades passam pelo Conselho de Saúde, tanto municipal como estadual e nacional. Então, quem constrói e faz o SUS acontecer é a população, mas, em muitos casos, ela não conhece a sua força na discussão das prioridades e ações que tem que ser realizadas no Sistema Único de Saúde.
IHU On-Line – Ainda há muito contraste entre os serviços prestados pelos profissionais do SUS se comparamos com o sistema privado de saúde?
Veralice Maria Gonçalves – Assim como em serviços particulares, eu diria que no Sistema Único de Saúde, a formação dos profissionais ainda é uma batalha que tem que continuar existindo, principalmente, no que diz respeito à humanização e formação, desde a graduação, dos profissionais de saúde para trabalhar no SUS e em equipes multiprofissionais. Os cursos de graduação e residências dos cursos de saúde precisam formar pessoas com o olhar voltado para o SUS, para que entendam o funcionamento do sistema. Isso vai permitir que os profissionais que saem da graduação e pós-graduação possam atuar, efetivamente, com mais qualidade. O Ministério da Saúde promove o programa de humanização, que tem como proposta integrar os conceitos do SUS, formar equipes multiprofissionais de forma integrada, olhando o usuário dentro do seu contexto. Além disso, esse programa busca também fazer com que os profissionais de saúde possam se ver como promotores de uma atuação integrada, olhando não dessa forma fragmentada a pessoa, mas com necessidades que precisam ser discutidas por vários profissionais de saúde.
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SUS: ""Saúde é uma responsabilidade pública’’. Entrevista especial com Veralice Maria Gonçalves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU