27 Outubro 2008
Para Chico Alencar, o grande desafio do Brasil, a partir de agora, é discutir a crise econômica financeira e a reforma política, sempre com participação popular a fim de que o desencanto pela política não venha a crescer ainda mais no país. “É bom lembrar que no Rio de Janeiro, no segundo turno, as abstenções, votos nulos e brancos somaram 30%. Isso é grave e preocupante”, disse ele, em entrevista realizada por telefone, à IHU On-Line. Nessa conversa, Chico analisou o resultado das eleições no Rio de Janeiro e fez prognósticos do que pode acontecer a partir da vitória de Eduardo Paes. Ele ainda debateu a vinculação da imagem de Lula com alguns candidatos e refletiu acerca do posicionamento da esquerda em seu estado. “Essa eleição mostrou a indiferenciação, isto é, não importa se o político é um peemedebista, ou um petista. Tudo dá no mesmo, pois o voto foi muito em cima de qualidades de candidatos ou de percepções mais estritas. É por isso que a popularidade do presidente Lula dificilmente será transferida para outro candidato”, afirmou.
Francisco Rodrigues de Alencar Filho, o Chico Alencar, é formado em História pela Universidade Federal Fluminense. Realizou mestrado em Educação na Fundação Getúlio Vargas. É professor licenciado de História da UFRJ. Foi eleito deputado federal em 2002 e candidato a prefeito do Rio de Janeiro nestas eleições municipais. Atualmente, é membro do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e deputado federal pelo PSOL.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que significa, no cenário brasileiro, a eleição de Eduardo Paes?
Chico Alencar – Significa, a partir do plano regional fluminense, uma consolidação do poder do grupo político que gravita em torno do governador Sergio Cabral, hoje no PMDB. Ele não tem uma postura ideológica nítida, do ponto de vista doutrinário-ideológico, como o próprio PMDB do Rio de Janeiro, que tem muitos bolsos de clientelismo, uma máquina partidária que se especializa cada vez mais na captura de votos, e com as contradições que isso trará. Qualquer discurso de ética na política, de participação popular, de transparência na gestão, irá se chocar com algumas figuras que estavam no palanque de Eduardo Paes, do PTB de Roberto Jefferson ao próprio PMDB, que tem muitos acusados de envolvimento com as milícias, e uma parte do PT – partido que formalmente apoiou Eduardo Paes –, que também estava comprometido com práticas fisiológicas, de currais eleitorais. Vamos ver como Paes constituirá seu governo, pois ele fez toda a sua campanha em cima de um prefeito que dizia ser da normalidade republicada, um prefeito com boa relação com o governador e com o presidente. Há dois anos, aliás, ele foi candidato ao governo pelo PSDB contra o próprio Cabral de quem é aliado agora. Ele também fez críticas muito duras ao governo Lula na época do mensalão. Essas mudanças de partido muito comuns em certas figuras, lideranças, revelam que, para parte expressiva da população, isso já não conta muito. O pragmatismo oportunista parece que está em alta.
IHU On-Line – Em Porto Alegre e em São Paulo, o PT sofreu grandes derrotas. A vitória de Paes no Rio de Janeiro foi considerada um “mal menor”. Como a imagem de Lula sai desse resultado?
Chico Alencar – Ele vai tentar descolar o máximo a sua imagem das eleições municipais. Se já está fazendo isso, é porque obviamente o resultado não foi o esperado. Embora o PT seja um grande partido nacional, com maior número de votos depois do PMDB, ele não governa as capitais mais importantes do país, do ponto de vista econômico e demográfico. É um partido que migra no seu voto, mais popular, menos ideológico, menos de opinião, menos crítico para cidades pequenas ou capitais médias de estados com menos pujança econômica. O presidente Lula também reitera que ninguém falou mal dele na campanha. Isso é fato. Sua popularidade é incontestável e é dele próprio, ou seja, não se transfere para o Partido dos Trabalhadores. Isso indica que a sucessão de Lula para 2010 está inteiramente aberta. É preciso reconhecer que a prática do seu governo, que lhe rendeu essa popularidade, tem muitos pontos de acordo e de semelhança com o ideário neoliberal, social-liberal, que o próprio tucanato da época de FHC praticou. Não é exatamente a mesma coisa, mas os pontos de aproximação são crescentes. Essa eleição mostrou a indiferenciação, isto é, não importa se o político é um peemedebista, ou um petista. Tudo dá no mesmo, pois o voto foi muito em cima de qualidades de candidatos ou de percepções mais estritas. É por isso que a popularidade do presidente Lula dificilmente será transferida para outro candidato.
IHU On-Line – O Rio de Janeiro é considerado uma cidade rebelde, onde o voto é tradicionalmente ideológico. Isso explica a ascensão de Gabeira?
Chico Alencar – Explica em parte porque o Gabeira é uma figura importante da política nacional e, obviamente, carioca. Ele tem um estilo muito singular, muito próprio. Ele obteve a adesão explícita de figuras, no segundo turno, da cultura, do pensamento, respeitadas no Rio de Janeiro. Gabeira fez sempre um discurso questionador de partidos e da própria política, escondendo bastante a sua força de sustentação que lhe garantiu muitos recursos financeiros, mas o apoio político sempre foi relevado na sua campanha. Ficou mais como a candidatura de uma personalidade, em cima da sua trajetória rebelde e mais recente na luta pela ética na política, lembrando-se do episódio do dedo em riste contra o Severino Cavalcanti. Tudo isso criou toda uma onda verde com um viés progressista, desconsiderando as próprias posições atuais do Gabeira em relação ao papel do Estado, à iniciativa privada e sua prevalência na administração e às próprias alianças. Eu considero que, para além de alguns percalços no segundo turno, algumas declarações equivocadas revelaram um certo elitismo – que foi muito explorado pelo Eduardo Paes. Houve, também, o fato de ele receber o apoio do atual prefeito (Cesar Maia - DEM), que todo mundo quer ver fora definitivamente da prefeitura. Eu até brinquei que o Gabeira era mesmo um candidato muito ecológico, pois salvou os tucanos do Rio de Janeiro da extinção. No entanto, esses apoios acabaram talvez tirando alguns votos fundamentais para que ele chegasse à vitória.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a atuação da esquerda no Rio de Janeiro?
Chico Alencar – Há uma esquerda oficialista. Existe uma esquerda que até tentou mostrar uma cara mais progressista no primeiro turno através de diversas candidaturas, como a do PSOL coligado com o PSTU, uma candidatura sem nenhum vínculo oficial. O próprio PCB teve sua candidatura própria e participou do pleito. Por outro lado, partidos de esquerda mais antigos, como o PCdoB, PT e PDT, que tiveram candidatos próprios, foram rapidamente para o palanque do PMDB de Eduardo Paes, sem disfarçar inclusive acordos para preenchimento de cargos. Eu digo que, na verdade, a esquerda não se dividiu. Ela tem duas embocaduras muito distintas: de uma lado, há uma esquerda mais independente, preocupada com uma nova forma de governar, fazer política, apostar nos movimentos sociais e na consciência e organização popular; de outro, há uma outra esquerda mais de aparelho, mais oficialista, digamos lulista, que não consegue estar fora da base de sustentação do presidente e que não consegue estar fora de qualquer pensamento crítico ou cobrança. Só que essa situação vai entrar numa encruzilhada, agora inclusive com a crise do capitalismo financeiro global, que vai exigir posicionamentos no Brasil, que podem fazer com que a esquerda oficialista tenha de ser reavaliada.
IHU On-Line – O resultado da sua candidatura tem a ver com a rejeição que a sociedade tinha da figura de Crivela?
Chico Alencar – Nós vivemos um processo muito claro, declarado no próprio final de campanha empiricamente do movimento do sentimento anti-Crivela. Isso porque Eduardo Paes, com uma campanha milionária, poderosíssima, com um abuso de poder econômico e a máquina do Estado e parte da máquina federal, agindo com o interesse dele, conseguiu passar rapidamente o senador Crivela, até então à frente das pesquisas. Criou-se, então, esse senso comum da segurança total, a fim de evitar que Crivela fosse para o segundo turno. Na prática, a população mais crítica acabou canalizando seus votos para Gabeira. Nenhum instituto de pesquisa previa isso.
IHU On-Line – Que Brasil, em sua opinião, sai dessas eleições?
Chico Alencar – Um Brasil confuso ideologicamente, de cartas embaralhadas, de sinais trocados, além muito diversificado, que cada vez mais coloca o cabo eleitoral pago no lugar no militante, e o pragmatismo no lugar da doutrina. Um lugar onde o voto de massa é muito orientado pelo tempo de TV e rádio e pela boa ocupação do espaço de mídia. O Brasil é um país sem hegemonia clara, sem força à esquerda e à direita. Eu me arriscaria a dizer que está se constituindo um neo-centrismo no país e nesse amplo leque estão o PT e seus consorciados, até o DEM. Todos numa política de segurança, de estabilidade, de ajuste fiscal, de manutenção do status quo político-partidário sem disposição e força para fazer uma política substantiva. Um Brasil que entra na política do voto e perigosamente vai desvalorizando, na medida de que há o distanciamento da política da nossa vida cotidiana. Mesmo numa eleição municipal como essa, numa capital politizada como o Rio de Janeiro, a frieza, a indiferença e o desencanto com a política foi muito marcante.
Nós não tivemos, aqui, um grande comício, nem uma mobilização de massa. Isso é um sinal muito negativo. Passados 20 anos da Constituição, aquela do chamamento permanente da manifestação popular, que diz que todo poder emana do povo, os grandes partidos políticos são mais máquinas azeitadas de capturar votos do que vanguardas de proposição de projetos sociais avançados, de instigação da cidadania e participação e de viabilização para que as maiorias sociais sejam maiorias políticas. Foi uma eleição com a marca da desideologização. Isso eu falo respeitando as exceções, e o conceito falso, a meu ver, de que não há mais direita ou esquerda. O desafio agora, para o Brasil, é enfrentar, com muito debate e análise, a crise financeira, antes de tentar compreender como salvar os bancos e garantir crédito para o consumismo desenfreado. Isso porque a crise econômica financeira será muito forte e vai gerar muita turbulência, desemprego e arrocho salarial. Outro desafio é a questão da reforma política com participação popular que precisa ser retomada sob pena de a gente viver crescentemente um desinteresse pelas eleições. É bom lembrar que no Rio de Janeiro, no segundo turno, as abstenções, votos nulos e brancos somaram 30%. Isso é grave e preocupante.
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As eleições no Rio de Janeiro. "O pragmatismo oportunista está em alta". Entrevista especial com Chico Alencar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU