02 Junho 2008
Uma sucessão de tragédias pré-anunciadas está sendo viabilizada ou licenciada pelo governo brasileiro. São grandes obras com caráter fortemente econômico e nada social: as hidrelétricas do Rio Madeira, já liberadas e uma delas até leiloada, a hidrelétrica de Belo Monte, que, em seu projeto, pretende alagar parte do Xingu e desabrigar milhares de indígenas daquela região, e uma usina nuclear chamada Angra 3. As obras são divulgadas ao povo como solução para o problema energético brasileiro, que possui um grande potencial para desenvolver fontes de energia alternativa, sem denegrir o meio ambiente ou as populações de uma região. Para onde vai a agenda ambiental brasileira?
“Se eu estivesse dentro desse grupo estaria totalmente desmoralizado”, disse Glenn Switkes, representante da ONG International Rivers na América Latina, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Para ele, “o governo Lula não é mais o governo Lula. Ele é uma mescla de Lula, Maluf, Jader Barbalho, Maggi, ou seja, um governo de muitas cabeças”.
Glenn Switkes é um jornalista, cineasta e historiador estadunidense. É diretor da organização não-governamental International Rivers Network na América Latina. Coordena campanhas ambientalistas e de direitos humanos relacionadas com os planos para construção de hidrelétricas nos rios da Amazônia e na Patagônia chilena.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo a Aneel, para garantir energia para o Brasil, será preciso avançar sobre a Amazônia ou investir em energia nuclear. Que outras opções o Brasil tem e não está utilizando?
Glenn Switkes – O Brasil apresenta uma grande vantagem por ter muitas opções para atender às necessidades de energia. É grande o seu potencial em termos de energia solar, tendo, hoje, documentado um potencial de energia eólica de mais de 240 mil megawatts, ou seja, mais do dobro de toda a capacidade instalada. Por outro lado, demonstra um grande potencial para eficiência energética. Então, existem várias fontes, mas o que falta realmente é uma vontade, por parte do governo, de reconhecer que usinas nucleares e grandes hidrelétricas na Amazônia têm impactos muito graves e irreversíveis e que qualquer alternativa à construção dessas obras deve ser priorizada.
Para o Brasil investir em energia solar, eólica e de biomassa, assim como na sua melhor eficiência, precisa repotencializar de hidrelétricas antigas, eliminar as perdas na transmissão. Para que isso aconteça, precisa de vontade política. O problema atual é que a possível construção de grandes hidrelétricas é um grande negócio e tem um grupo de empresas, de fornecedores de equipamentos, muito bem relacionado com o setor de planejamento de energia no país. Sabemos que esses projetos chegam a custar até dez bilhões de dólares e geram muito dinheiro embaixo da mesa também. Eles financiam campanhas eleitorais, enriquecem políticos e outros.
Já sobre a questão nuclear, eu acredito que o fato importante seja a influência dos militares, pois ela está sendo vista como o portão para, eventualmente, o Brasil desenvolver uma bomba nuclear. Então, isso sempre interessou os militares no Brasil e continua a ser um fator importante quando surge um debate sobre uma usina como Angra 3.
IHU On-Line – As hidrelétricas, a energia nuclear e o não aproveitamento de energia solar, eólica e de biomassas é, então, uma questão política e econômica?
Glenn Switkes – Eu acredito que seja uma questão mais política do que econômica. Veja a quantidade de subsídios que as grandes hidrelétricas da Amazônia prevêem receber em termos de empréstimos do BNDES e dinheiro do Fundo de Garantia dos Trabalhadores, entre outros, como a negação de internalização do custo de impactos como na pesca e espécie migratórios de peixe que têm um valor bilionário em termos econômicos para a qualidade de vida da população amazônica. Isso é um absurdo. Se o governo brasileiro resolvesse implantar um projeto de energia solar no Brasil, tornaria o país num fabricante significante no nível mundial de painéis solares, o que faria com que dominasse a tecnologia de energia solar, representando um caminho para o futuro. Ao invés disso, o Brasil é um dos países que insistem em utilizar tecnologias ultrapassadas, como grandes hidrelétricas e energia nuclear. Isso é um caminho que não vai a lugar algum. Eu diria, por isso, que é mais uma questão política do que uma questão econômica.
IHU On-Line – Como vocês percebem o avanço do governo sobre o Rio Madeira e Belo Monte?
Glenn Switkes – O processo de licenciamento do Rio Madeira foi um dos maiores escândalos na história recente de gerenciamento dos recursos naturais no Brasil. Toda a informação técnica disponível, o Ibama, o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente indicaram que o projeto causará grande impactos irreversíveis e questionaram a viabilidade da obra. Os técnicos do Ibama fizeram um documento de mais de 200 páginas recomendando o não-licenciamento da obra. Essa é uma das maiores manchas na fama da Marina Silva, porque simplesmente, seguindo as ordens do Lula, o processo foi despachado de uma maneira irregular. Ela tirou o diretor do licenciamento e o substituiu por outro, além de desmantelar o Ibama. Ela comprou, podemos dizer, alguns argumentos técnicos muito frágeis em termos de sedimentação e liberou a obra. Até hoje, Marina continua dando justificativas para essas ações que tomou. Os projetos ainda têm possibilidades de dificuldades. A de Santo Antonio tem um projeto de mitigação muito ruim, e o Ibama está analisando esse projeto antes de ceder uma licença de instalação. A companhia Suez que ganhou o leilão simplesmente mudou o projeto inteiro da usina geral, ou seja, mudou o eixo da barragem depois de mais de dois anos de análise de impactos dos projetos. Então, a companhia considerou que poderia unilateralmente mudar o projeto para o jeito que eles queriam. Então, eu acredito que existirão mais ações na justiça. É improvável que os projetos sofram atrasos, comprometendo sua viabilidade econômica e espero que a justiça tenha coragem para reconhecer as irregularidades e denunciar esse processo.
IHU On-Line – É possível barrar a construção dessas hidrelétricas ainda?
Glenn Switkes – Espero que sim. Existem vários grupos trabalhando para este fim. No caso do Rio Madeira, é mais complicado, porque já “correu tanto água debaixo da ponte”, que dentro dos processos oficiais estão meio esgotadas as opções para ações cidadãs. Mas o caso de Belo Monte é outro caso, porque atinge diretamente populações indígenas. Os caiapós e outros índios do Xingu deixaram bem claro, lá em Altamira, que eles consideram os impactos num nível de bacia, ou seja, há uma ficção no setor elétrico de que essas hidrelétricas apenas afetam as áreas de inundação. Isso não é verdade. Belo Monte envolve questões constitucionais, em termos de garantias indígenas, questões econômicas, porque não tem garantia de produzir energia sem a construção de outras obras semelhantes rio acima. Então, Belo Monte terá vários problemas daqui para frente.
IHU On-Line - Com base no que vocês acreditam que o governo liberou a construção dessas hidrelétricas?
Glenn Switkes – Há interesses poderosos por trás desses projetos. Por exemplo, as hidrelétricas estão sendo planejadas para a Amazônia Oriental, e os projetos envolvidos por empresas elétrico-intensivas, ou seja, por empresas de alumínio, de processamento de metais, que estão em plena expansão dentro da Amazônia. É importante para eles poderem garantir fonte de energia relativamente barata e que implicaria em possibilidades para a produção de alumínio. Esses são os principais interessados nesse jogo.
IHU On-Line – Qual é a avaliação que vocês fazem da saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente?
Glenn Switkes – Realmente, temos outros casos no Brasil, como o de José Lutzemberg, que saíram para mostrar sua indignação com as coisas que estavam acontecendo dentro do governo. Marina demorou para sair. Ela conseguiu coisas importantes, batalhou para tentar melhorar o desempenho ambiental do governo, mas, infelizmente, o Ministério do Meio Ambiente do governo Lula ficou no porão. Então, eu questiono se for o momento certo para ela sair ou se deveria ter saído muito antes para realmente empurrar ações do governo Lula. No fim das contas, ela foi um soldado muito fiel ao seu presidente e, mesmo tendo coisas positivas para mostrar, não conseguiu mudar em grande parte a qualidade do desempenho do governo em termos ambientais.
IHU On-Line – Como acham que Carlos Minc agirá em relação à construção dessas hidrelétricas e, principalmente, em relação ao setor energético brasileiro?
Glenn Switkes – Eu acredito que o Ministério do Meio Ambiente não tenha espaço para influenciar na política energética do país. O Ministério do Meio Ambiente está numa situação onde quem faz política energética é a Eletrobrás, o Ministério de Minas e Energia, empresas de pesquisas energéticas etc. Marina Silva até tentou, de uma maneira muito tímida, mudar a situação, quando convidou especialistas de todo mundo para conscientizar os técnicos brasileiros sobre alternativas energéticas, mas isso nunca foi para frente. Por isso, eu acho que, no máximo, o Minc vai poder exigir um tratamento rigoroso desses projetos. No entanto, ele entra com certa falta de influência política. Marina entrou como uma pessoa que ia ser uma figuraça do governo Lula em termos de meio ambiente. Agora, o Minc entra como se fosse um coringa que ninguém sabe para fazer o que, sem poder dentro do governo nem articulação nos ministérios. Ele pode, mesmo assim, fazer com que o ambientalismo ainda viva e tenha alguma influência no Brasil, mas, se ele fizer isso, acredito que não vai durar muito não.
IHU On-Line – Como vocês vêem a agenda ambiental do governo Lula?
Glenn Switkes – A meu ver, é muito fraca. O governo Lula se vendeu para as influências das grandes empresas, para o agronegócio. O governo Lula não é mais o governo Lula. Ele é uma mescla de Lula, Maluf, Jader Barbalho, Maggi, ou seja, um governo de muitas cabeças. A grande maioria do PT já saiu do governo. Se eu estivesse dentro desse grupo, estaria totalmente desmoralizado. Em termos ambientais, por alguns anos o movimento ambientalista ficou meio coaptado pelo governo, mas essa ilusão já passou. Seria difícil achar algum ambientalista honesto defendendo os interesses do governo.
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"O governo Lula é uma mescla de Lula, Maluf, Jader Barbalho, Maggi...". Entrevista especial com Glenn Switkes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU