12 Março 2024
A Ucrânia e aliados protestam evocando a resistência a Hitler, a Rússia aplaude, lendo nas palavras do Papa uma advertência ao Ocidente. A “coragem da bandeira branca”, a coragem de “negociar” que o Papa aconselhou a Kiev suscita reações acaloradas.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 11-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em entrevista concedida no início de fevereiro, mas divulgada apenas anteontem, Francisco respondeu a uma pergunta do entrevistador – “Há quem peça a coragem da rendição, da bandeira branca, para outros isso legitimaria o mais forte: o que acha?” – afirmando que “é mais forte (…) quem pensa no povo, quem tem a coragem da bandeira branca, de negociar”. O Vaticano salientou que Francisco não estava sugerindo que os ucranianos se rendessem, mas que negociassem, e que, como afirma na mesma entrevista, “a negociação nunca é uma rendição”.
“A Igreja está na linha de frente aqui ao lado das pessoas, a mediação virtual a 2.500 km de Kiev é inútil”, disse o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, respondendo ao Papa sem citá-lo explicitamente. “O mais forte é aquele que, na batalha entre o bem e o mal, fica do lado do bem em vez de tentar colocá-los no mesmo plano chamando-o de ‘negociação’”, comentou o ministro do Exterior ucraniano, Dmytro Kuleba, nas redes sociais: “Ao mesmo tempo, quando se fala de bandeira branca, conhecemos essa estratégia do Vaticano desde a primeira metade do século XX. Convido a evitar repetir os erros do passado”. A bandeira ucraniana é amarela e azul e “nunca hastearemos outras bandeiras”, continuou o chefe da diplomacia ucraniana, agradecendo “Sua Santidade o Papa Francisco pelas suas constantes orações pela paz” e reiterando o convite para visitar a Ucrânia “para apoiar o mais de 1 milhão de católicos ucranianos, mais de 5 milhões de grego-católicos, todos cristãos e todos ucranianos”. O chefe da Igreja greco-católica ucraniana, Sviatoslav Shevchuk, manifestou-se na mesma linha: “Na Ucrânia ninguém tem a possibilidade de se render”.
Também o embaixador ucraniano junto à Santa Sé, Andrii Yurash, lembrou a segunda guerra mundial: "Alguém na época falou seriamente de negociações de paz com Hitler e de bandeira branca para satisfazê-lo?" O diplomata recebeu apoio pelas redes sociais do seu homólogo alemão Bernhard Kotsch e da representante da UE junto ao Palácio Apostólico Alexandra Valkenburg.
O presidente da Letônia, Edgars Rinkevics, também ficou do lado da Ucrânia ("Não se deve capitular diante do mal, devemos combatê-lo e derrotá-lo, para que o mal levante a sua bandeira branca e capitule"), e o ministro das Relações Exteriores polonês, Radoslaw Sikorski: "O que vocês acham, por equilíbrio, de encorajar Putin a ter a coragem de retirar o seu exército da Ucrânia? A paz seria alcançada imediatamente, sem a necessidade de negociações”.
Desde o início da guerra, o Papa Francisco sempre defendeu uma solução negociada como a única alternativa viável contra a continuação de uma guerra. “Que cessem o mais rapidamente possível as hostilidades que causam imenso sofrimento à população civil”, disse ontem no Angelus. Ele encarregou o cardeal Matteo Zuppi de uma missão que possa facilitar os contatos e as soluções humanitárias, mas os resultados, por enquanto, são poucos. Várias vezes, ao longo do tempo, as suas declarações de improviso irritaram a Ucrânia, quando disse, por exemplo, que a OTAN estava "latindo" às portas da Rússia. Ao mesmo tempo, o Papa argentino, o primeiro na história a encontrar-se com o patriarca russo, não deixou de repreender Kirill, contestando toda tentativa de justificar uma guerra “justa” ou “santa”.
De Moscou, a porta-voz do Ministério do Exterior, Maria Zakharova, comentou: “A meu ver, o Papa está pedindo ao Ocidente que deixe de lado as suas ambições e admita que estava errado”. Segundo Zakharova, “na mente do Ocidente só havia uma solução, a guerra (...) a Ucrânia foi sacrificada (...) hoje o Papa lhes pede: ‘Admitam que estavam errados’”.
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A ira dos ucranianos após as palavras do Papa. “Nunca levantaremos a bandeira branca” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU