02 Outubro 2020
"Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sem dúvida, são uma lista de prioridades bem-intencionadas e bem mais ampla do que as oito metas dos ODMs. Mas para mudar o mundo é preciso bem mais do que boa intenção", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 26-08-2020.
“Perder uma ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar uma verdade” - Ludwig Borne
O ano de 2015 começou com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apresentando aos Estados-membros das Nações Unidas um relatório-síntese sobre o trabalho desenvolvido até agora para a definição e negociação da agenda pós-2015, que inclui os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que guiarão o desenvolvimento global depois do fim do prazo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), segundo matéria do site do PNUD (22/01/15).
De acordo com Ban Ki-moon, as nações do mundo têm uma oportunidade histórica e o dever de agir vigorosamente para tornar a dignidade, para todos, uma realidade, sem deixar ninguém para trás. Ele divulgou o relatório: “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta” e afirmou que nunca houve uma consulta tão ampla e profunda sobre desenvolvimento.
O documento, que começou a ser elaborado a partir da deliberação da Rio+20, contou com o apoio e com a colaboração de governos, de empresários, de todo o Sistema ONU e de milhares de pessoas ao redor do mundo, por meio de consultas presenciais e online. Também relata os progressos conquistados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), como a redução da pobreza em vários países, a expansão da educação e da tecnologia sustentável e a reconstrução de nações após conflitos.
Assim, os ODS estão sendo construídos sobre as bases estabelecidas pelos ODMs, procurando completar o trabalho inacabado até 2015, respondendo a novos desafios. No total, são 17 objetivos e 169 metas sobre questões de desenvolvimento sustentável. Em setembro de 2015, a Assembleia Geral da ONU (UNGASS) deve aprovar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, em dezembro, haverá a COP-21 em Paris para decidir sobre um novo protocolo sobre o clima.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sem dúvida, são uma lista de prioridades bem-intencionadas e bem mais ampla do que as oito metas dos ODMs.
Mas para mudar o mundo é preciso bem mais do que boa intenção. A despeito das desigualdades, a humanidade tem apresentado grande progresso, enquanto o meio ambiente tem apresentado enorme regresso. Do jeito que está, o sistema caminha para uma ruptura. Desta forma, é preciso ter uma visão crítica do modelo de desenvolvimento que tem prevalecido globalmente nos últimos 250 anos e, ao contrário da visão de Ban Ki-moon, perceber que questões essenciais ficaram de fora dos ODS e a concepção de desenvolvimento sustentável não foi suficientemente problematizada e aprofundada no documento e na rodada de consultas.
Para tentar explicar melhor, vamos comentar os 17 objetivos e, na medida do possível, algumas das 169 metas que estão propostas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS. (Fonte: ONU)
A formulação do ODS1 não deixa claro qual tipo de pobreza deverá ser erradicada. Mas a meta 1.1 esclarece que se trata da pobreza extrema (US$ 1,25 por dia). Em 1990 haviam quase 2 bilhões de pessoas vivendo na extrema pobreza e este número caiu para cerca de 1 bilhão de pessoas em 2011, segundo o Banco Mundial. Em 25 anos o número de pessoas na pobreza extrema foi reduzido quase pela metade, mas a maior parte disto aconteceu na China e em outros países que aproveitaram o boom das commodities. Na América Latina, houve redução da pobreza entre 2002 e 2012, porém, nos anos de 2013 e 2014, houve aumento da pobreza, segundo a Cepal. O ano de 2015 tende a ser pior. Além do mais, US$ 1,25 um valor muito baixo. No Brasil equivale a R$ 3,70 por dia, por pessoa, o que não dá nem para um bilhete de ida e volta no metrô do Rio ou São Paulo. A meta 1.2 fala em reduzir a pobreza (geralmente definida como US$ 2,00 ou R$ 6,00 por pessoa por dia) pela metade até 2030. Ou seja, não há proposta para erradicar a pobreza (mesmo com uma linha de pobreza baixa), mas apenas a pobreza extrema. As metas 1.3 e 1.4 falam em ampliar o sistema de proteção social e o acesso a recursos e serviços públicos. A questão é que existem vários “Estados falidos” que não possuem condições de efetivar políticas públicas e vivem em situação de conflitos e guerras. O mundo conseguiu algumas vitórias na redução da pobreza nos últimos 15 anos, mas no próximo quindênio (2015-2030) pode haver retrocesso devido à “estagnação secular” e ao aumento dos conflitos sociais, religiosos e ambientais.
O enunciado deste objetivo é claro e melhor detalhado nas metas. Porém, as metas não tocam em questões que são fundamentais para a erradicação da fome, como a falta de recursos. O mundo gasta cerca de US$ 1,6 trilhão por ano com gastos militares e de guerra. Se estes recursos fossem redirecionados, seriam suficientes para eliminar a fome e a má-nutrição. Mas também seria preciso combate a obesidade e reconhecer que a fome é maior entre as crianças e entre aqueles países que possuem maiores taxas de fecundidade. Reduzir a gravidez indesejada é fundamental. Outra coisa não tocada neste objetivo é o direito dos animais. A eliminação da fome humana não pode ser resolvida com o sofrimento e a morte de outros seres vivos do Planeta. Seria preciso definir e apoiar uma dieta vegetariana (ou vegana) e uma agricultura orgânica, sem os abusos dos fertilizantes e dos agrotóxicos. Porém, as grandes empresas de insumos, de sementes e de equipamentos, além da concentração fundiária, dominam a produção de alimentos. Estas questões críticas não foram tocadas pelos ODS (Ver Alves, 24/01/2012).
A maior parte das metas deste objetivo visam reduzir as taxas de mortalidade em suas diferentes causas. São questões fundamentais e necessárias. Mas há apenas uma meta sobre a questão da universalização da saúde sexual e reprodutiva, meta que estava prevista para 2015 nos ODMs e agora parece que foi adiada para 2030. Neste sentido, isto é um retrocesso, pois se está apenas adiando uma meta que já deveria ter sido implementada, não foi e não se sabe se será atingida até lá.
As metas do objetivo 4 são boas e relevantes, porém se evitou falar em educação sexual. Mas é difícil avaliar o que é educação de qualidade e combater o analfabetismo funcional. Educação tem custos e não pode ser encarada como uma panaceia que resolveria todos os problemas. No caso brasileiro, a despeito dos avanços, a educação ainda está longe de adquirir os padrões internacionais esperados.
As metas do objetivo 5 são razoáveis, mas estão bem aquém daquelas da IV Conferência Mundial das Mulheres em Beijing, 1995. Além disto, a questão de gênero nos ODS é baseada em uma noção binária e não leva adequadamente em consideração os direitos e a realidade LGBT. Os ODS também não tratam adequadamente as desigualdades raciais e outras desigualdades sociais em suas formulações mais amplas. Também seria necessário tratar das “desigualdades reversas” de gênero.
As metas deste objetivo falam do direito à água, da necessidade de saneamento, evitar a poluição, fazer um manejo adequado, melhorar a eficiência no uso, etc. Não há nada sobre o “direito da água” e o direito à água das outras espécies. Com o agravamento das mudanças climáticas, a questão hídrica toma uma dimensão cada vez maior e é preciso pensar na gestão da demanda e não apenas no aumento da oferta de água. Poluição é o que mais se vê no mundo, inclusive grande quantidade de esgotos, produtos químicos e milhões de toneladas de plástico que vão parar nos oceanos. A população mais pobre é que mais sofre com a falta de água, a mercantilização dos recursos hídricos e a poluição dos esgotos. Com o desmatamento generalizado, não tem havido a devida restauração dos ecossistemas relacionados com a água potável para todas as espécies.
Energia é uma necessidade vital para a economia e as pessoas e a disponibilidade de fontes baratas e confiáveis é fundamental. Mas o texto não explica o que é “energia moderna”. O objetivo 7 fala em aumentar a participação das energias renováveis na matriz energética mundial, mas não diz nada sobre desestimular o uso de combustíveis fósseis e eliminar os subsídios ao petróleo (reduzindo as emissões de gases de efeito estufa). Além disto, a energia eólica e solar – as mais utilizadas – não estão livres de problemas de diversos tipos, inclusive da intermitência do vento e do sol na sua geração. Democratizar a produção e o consumo de energia renovável é fundamental, incentivando os “prosumidores”. O Brasil se gaba de ter uma matriz energética limpa, mas as hidrelétricas causam um impacto ambiental muito negativo, especialmente no represamento dos rios e no livre fluxo das águas e dos peixes. Hidrelétricas na Amazônia são um crime ambiental de grande proporção para a ecologia e os povos da floresta.
Este é um dos objetivos mais complicados e contraditórios com a ideia de desenvolvimento sustentável. O enorme crescimento econômico e demográfico dos últimos 250 anos está por trás da degradação da natureza e está colocando na ordem do dia a questão dos limites ambientais. A crise hídrica de São Paulo e Rio de Janeiro é uma prova da incompatibilidade do crescimento desregrado que atinge os limites dos recursos naturais sustentáveis e renováveis. Como disse Kenneth Boulding: “Anyone who believes exponential growth can go on forever in a finite world is either a madman or an economist”. O crescimento das atividades antrópicas tem sido o principal vetor de depleção dos ecossistemas e de redução da biodiversidade. Neste sentido, falar em crescimento sustentado é seguir um caminho que leva ao colapso. Colocar no mesmo item a questão da inclusão social, do pleno emprego e do trabalho decente parece muito mais um truque para atingir o verdadeiro objetivo que é a continuidade da acumulação de capital e a geração de riqueza (concentrada em poucas mãos). Crescimento infinito num planeta finito é impossível. Além disto existem no Brasil cerca de 10 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que nem estudam e nem trabalham, é a chamada “geração nem-nem”. Ou seja, isso quer dizer que falta direitos básicos de cidadania e há desperdício do potencial humano da juventude.
Este provavelmente é o objetivo mais questionável, pois é exatamente a industrialização que produz bens conspícuos (carros de luxo, roupas finas, mansões, iates, jatinhos particulares, etc) que mais provoca danos ao meio ambiente. Toda industrialização é danosa ao meio ambiente. Manter o crescimento da indústria é o mesmo que manter as agressões à natureza. Ao contrário de elevar o percentual de empregos da indústria (meta 9.2) no PIB, o melhor seria avançar na sociedade da informação e do conhecimento, mudando os padrões de produção e consumo e buscando fortalecer atividades menos dependentes de matérias-primas e de energia.
Este parece ser um objetivo utópico. A regra dos últimos 250 anos tem sido o de aumento das desigualdades econômicas entre os países e dentro dos países. Maior igualdade e processo de convergência tem sido a exceção e tem ocorrido em locais e tempos específicos. Poucos países conseguiram reduzir as diferenças de renda entre os países, sendo que a China é o caso de sucesso mais excepcional. O recente livro do economista francês Thomas Piketty mostra que a desigualdade tem sido a regra do capitalismo e tende a aumentar no século XXI. Segundo a ONG britânica Oxfam, a riqueza combinada pelo grupo de pessoas do 1% mais rico do mundo é de 48% do PIB global e deve ultrapassar a fortuna do resto da população em 2016. O patrimônio dos mais ricos do planeta cresceu de 44% em 2009 para 48% em 2014, enquanto 80% da população é dona de apenas 5,5% dos recursos globais. Dentro dos países a tendência é de aumento das desigualdades sociais como se pode verificar nos Estados Unidos e na China (as duas maiores economias). O Brasil continua um dos países mais desiguais do mundo e embora possa ter havido uma pequena redução da desigualdade de renda do trabalho a desigualdade da riqueza e do patrimônio continua aumentando.
O mundo está ficando cada vez mais urbano, mas a maioria das cidades dos países em desenvolvimento sofrem com problemas diversos e especialmente com a mobilidade urbana. O problema do “carmagedon” não é tocado pelos ODS que não é capaz de questionar o poder da indústria automobilística e da indústria petrolífera.
Na ideologia capitalista maior consumo é sinal de maior felicidade. A máquina de publicidade garante o aumento da demanda por novos produtos e pela ânsia e ganância de novas mercadorias. A metodologia da Pegada Ecológica mostra que o padrão e o nível de consumo já ultrapassou em 50% a biocapacidade da Terra. Portanto, a única forma de ser sustentável é reduzir a produção e o consumo dos bens e serviços, especialmente da parcela mais rica da população mundial.
O Protocolo de Kyoto foi um fracasso. Todas as Conferências do Clima (COP) tem falhado em atingir um acordo para redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A queima de combustíveis fósseis continua, assim como o desmatamento e a pecuária que emite muito gás metano. As emissões de gases de efeito estufa já fizeram a concentração de CO2 na atmosfera ultrapassar 400 partes por milhão (ppm), quando o limite seguro seria no máximo de 360 ppm. Somos a primeira geração a sentir o impacto da mudança climática e a última geração que pode fazer alguma coisa para evitar um desastre ecológico global. O ano de 2014 foi o mais quente já registrado. Tudo indica que 2015 será ainda mais quente. Os eventos climáticos extremos tem provocados enormes danos. Educação ambiental não vai resolver enquanto os governos não desistirem dos planos de grandeza nacional e de disputa de influência geoestratégica.
O processo de acidificação dos oceanos, a diminuição do estoque de peixes e a destruição dos corais continua em ritmo acelerado. Quanto mais crescem as atividades antrópicas nas áreas urbanas e nas áreas rurais maiores são os fluxos de poluição para os oceanos. A mortalidade de animais marinhos causada pelos plásticos é facilmente observada em diversas partes do mundo.
O desmatamento e a erosão dos solos avança em ritmo veloz, embora as Conferências do Rio em 1992 e a Rio+20 em 2012 tenham tentado evitar este processo. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o ritmo do desmatamento, devido ao uso de áreas florestais para fins agrícolas, foi de 14,5 milhões de hectares por ano entre 1990 e 2005. Entre 2005 e 2010 o ritmo de destruição foi um pouco menor, sendo que o planeta perdeu, em média, 4,9 milhões de hectares de floresta por ano no período. Mas isto significou 10 hectares de desmatamento por minuto. O biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson, acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar metade do planeta exclusivamente para a proteção dos animais. A tese também é defendida pela jornalista Elizabeth Kolbert no livro The Sixth Extinction.
Diversos países estão em guerra civil como a Ucrânia, a Síria, o Iraque, o Afeganistão, a Nigéria, etc. A América Latina tem assistido ao aumento da violência e das mortes por causas externas nas últimas décadas. Tem crescido as ameaças terroristas. Não será fácil “construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
O mundo carece de governança. Há muito se espera uma reforma do FMI. A OMC não consegue implementar os acordos de comércio. O Banco Mundial continua sobre o controle dos Estados Unidos. As Conferências do Clima (COPs) não conseguem formatar um acordo viável e efetivo para mitigar as mudanças climáticas. O fundo verde não sai do papel. A ONU tem limitações evidentes. O Oriente Médio continua um barril de pólvora e vários países pobres não conseguem atingir níveis mínimos de governabilidade, sendo que os genocídios continuam ocorrendo como em Darfur no Sudão e Baga na Nigéria.
Desta forma, podemos perceber que os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agregação de boas intenções, mas não tocam no essencial do processo de acumulação de capital, não tem mecanismos para interferir e reduzir o complexo militar global e as ações dos grupos armados que promovem genocídios, assim como não reconhece que o crescimento econômico tem sido o principal vetor da degradação ambiental. Não será com o aprofundamento do capitalismo e do fundamentalismo de mercado que o meio ambiente será protegido e o fluxo metabólico entrópico será revertido.
Na verdade os ODS estão mais focados no “direito ao desenvolvimento” no que nos direitos humanos e nos direitos da natureza e das demais espécies.
Os ODSs também não tocaram na questão da dinâmica demográfica, ignorando a questão do crescimento populacional, da mudança da estrutura etária (bônus demográfico) e do envelhecimento, deixando para trás diversas propostas apresentadas na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) de 1994. De acordo com a Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), se o atual ritmo de consumo continuar, em 2050 será necessário 60% a mais de comida, 50% a mais de energia e 40% a mais de água, para atender a demanda dos 9 bilhões de habitantes do planeta.
Em síntese, o desenvolvimento sustentável, tal como proposto pela ONU, tem se tornado um oximoro e tem sido utilizado muito mais como uma maquiagem verde (greenwashing) que tenta se legitimar utilizando de forma indiscriminada a palavra sustentável. Para a escola da Economia Ecológica o caminho do crescimento sem limite leva ao abismo e ao colapso.
Nicholas Georgescu-Roegen mostrou que a economia não pode ignorar a entropia, ou degradação de energia, conforme estabelecido na 2ª Lei da Termodinâmica (“a quantidade de trabalho útil que se pode obter a partir da energia do universo está constantemente diminuindo”). Uma mesma fonte de energia não pode ser queimada duas vezes, muito menos ad infinitum. Antes do crescimento da civilização do Homo Sapiens, ocorria a retenção da energia mais rapidamente do que a sua dissipação. Atualmente, a sinergia está sendo substituída pela entropia. Georgescu-Roegen mostrou que, em algum momento, a escala da economia teria que ser reduzida, tanto em termos de capital, quanto de força de trabalho.
Portanto, precisamos superar o fetiche do crescimento e do desenvolvimento sustentável. Não se trata de produzir mais com menos. Porém, produzir menos com menos. Ou seja, como mostrou Georgescu-Roegen, diante da possibilidade do declínio da civilização e de uma possível catástrofe econômica e ambiental, a alternativa passa pelo decrescimento das atividades antrópicas, quanto mais cedo melhor. Evidentemente o decrescimento deve começar pelos países mais ricos e pelas atividades mais poluidoras, reduzindo as áreas ecúmenas e aumentando as áreas anecúmenas.
Também para Herman Daly, as atividades humanas já ultrapassaram os seus limites econômicos planetários e entraram em uma fase de “crescimento deseconômico”. Para estabelecer o equilíbrio é preciso haver decrescimento até o ponto de intercessão entre as curvas de utilidade marginal e desutilidade marginal. Depois de restaurado o equilíbrio, a adoção de uma economia de estado estacionário permitiria evitar se ultrapassar novamente o limite econômico sustentável. O Estado Estacionário, em um ponto anterior ao crescimento deseconômico, é um seguro contra o risco de uma catástrofe ecológica.
Uma importante contribuição para a análise ambiental atual pode ser encontrada no artigo “Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet”, publicado na revista Science (on line 15/01/2015) por 18 renomados autores. O artigo traça um quadro dos limites planetários e define um espaço operacional seguro para a humanidade com base nos processos biofísicos intrínsecos que regulam a estabilidade do Sistema Terra. Os autores atualizam a metodologia e o quadro das fronteiras planetárias, com foco na ciência biofísica subjacente e com base nos avanços científicos dos últimos 5 anos (a primeira versão foi publicada em 2009). O novo estudo mostra que quatro das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da integridade da biosfera; Mudança no uso da terra; Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que pode ser substancialmente e persistentemente transgredido. O agravamento destas duas fronteiras fundamentais podem levar o Planeta ao colapso.
Desta forma, podemos perceber que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) só serão viáveis se houver decrescimento demoeconômico. Acreditar no contrário é fomentar uma ilusão que pode custar muito caro em futuro não muito distante. Como disse Ludwig Borne: “Perder uma ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar uma verdade”.
ALVES, JED. Como acabar com a fome no mundo?, Ecodebate, RJ, 24/01/2012. Disponível aqui.
ALVES, JED. Novas propostas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Ecodebate, RJ, 18/07/2014. Disponível aqui.
DALY, Herman. Three Limits to Growth. Resilience, 05/09/2014. Disponível aqui.
GEORGESCU-ROEGEN, N. The entropy law and the economic process. Cambridge (EUA): Harvard University Press, 1971.
PNUD. Secretário-geral da ONU lança relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e sobre os desafios a serem enfrentados até 2030, UN News Centre, 22/01/2015. Disponível aqui.
Open Working Group on Sustainable Development Goals. Disponível aqui.
ONU. The road to dignity by 2030: ending poverty, transforming all lives and protecting the planet, 04/12/2014. Disponível aqui.
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Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o que são e limites - Instituto Humanitas Unisinos - IHU