15 Mai 2018
O Pentecostes é uma festa pascal; ela é o desenvolvimento do mistério da Páscoa. Não é uma festa independente do Espírito Santo; é a festa do Senhor ressuscitado que dá aos discípulos o seu Espírito, que é o Espírito de Deus Pai. É por isso que esta festa se situa, ao mesmo tempo, na noite da Páscoa no evangelho de São João, e 50 dias depois da Páscoa no livro dos Atos dos Apóstolos, inclusive na cruz da Sexta-Feira Santa em todos os evangelistas.
A reflexão é de Raymond Gravel (1952-2014), padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do Domingo de Pentecostes – Ciclo B do Ano Litúrgico. A tradução é de André Langer.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: At 2,1-11
Segunda leitura: 1 Cor 12,3b-7.12-13
Evangelho: Jo 20,19-23
Eis o texto.
O Pentecostes é uma festa pascal; ela é o desenvolvimento do mistério da Páscoa. Não é uma festa independente do Espírito Santo; é a festa do Senhor ressuscitado que dá aos discípulos o seu Espírito, que é o Espírito de Deus Pai. É por isso que esta festa se situa, ao mesmo tempo, na noite da Páscoa no evangelho de São João, e 50 dias depois da Páscoa no livro dos Atos dos Apóstolos, inclusive na cruz da Sexta-Feira Santa em todos os evangelistas, em particular em João: “Tudo está realizado. E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,30).
No mistério pascal, todos os elementos desse mistério – a Morte, a Ressurreição, a Ascensão e o Pentecostes – são tão importantes que os primeiros cristãos fizeram deles acontecimentos distintos separados no tempo: três dias para a Ressurreição, 40 dias para a Ascensão e 50 dias para o Pentecostes. Mas, na realidade, trata-se de um mesmo e único acontecimento teológico que nos fala simultaneamente de Deus, do homem, de Cristo e da Igreja. Não há, portanto, contradições entre os escritos e seus autores; encontramos simplesmente maneiras diferentes de descrever a riqueza do mistério cristão.
Desde o início do tempo pascal, nós lemos os relatos da Páscoa e da Ascensão. Hoje, celebramos o Pentecostes, a festa do Espírito de Cristo, o Espírito de Deus, a festa da Igreja. O que nos dizem os textos bíblicos que a Igreja nos propõe hoje?
Neste texto de Lucas, sobre o dom do Espírito Santo dado aos apóstolos reunidos, o autor não procura descrever um acontecimento material e histórico que aconteceu num dado momento da história da Igreja nascente. O fato de que Lucas tenha escolhido compor seu relato por meio de uma série de alusões ao Antigo Testamento, pode desviar a nossa atenção para uma leitura de tipo histórico, que procurasse determinar como as coisas se passaram. Devemos, ao contrário, compreender as mensagens que Lucas quer dar à sua comunidade sobre o papel e a força do Espírito:
1) O Pentecostes judaico celebrava o dom da Lei ao Povo de Israel, o povo da antiga Aliança. O Pentecostes cristão celebra o dom do Espírito ao novo Povo de Deus, a Igreja, o povo da nova Aliança.
2) Assim como Moisés subiu ao Sinai para dar ao povo a Lei de Deus, Cristo subiu ao céu para derramar o Espírito de Deus, o Espírito da nova Aliança.
3) Assim como para Moisés o barulho do trovão e o fogo das luzes acompanham o dom da Lei de Deus, aqui o barulho, o vento e o fogo acompanham a vinda do Espírito Santo.
4) No Sinai, de acordo com tradições judaicas, Deus propôs os mandamentos nas diversas línguas do mundo, mas apenas Israel os aceitou. No livro dos Atos dos Apóstolos, Deus repara esse fracasso: todas as nações compreendem a linguagem do Espírito: “Cheios de espanto e de admiração, diziam: ‘Esses homens que estão falando não são todos galileus? Como é que nós os escutamos na nossa própria língua?’” (At 2,7-8)
5) No Antigo Testamento, as 12 tribos de Israel estão reunidas para ouvir Moisés. Aqui, os 12 povos são chamados para ouvir os 12 apóstolos investidos pelo Espírito do Cristo, proclamar as maravilhas de Deus: “todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua!” (At 2,11b)
Em suma, este relato de Lucas é o inverso de Babel, é a abertura à universalidade e o sopro do Espírito da nova Aliança que abole as fronteiras; não há mais exclusão nem rejeição.
Os coríntios acreditavam que o dom do Espírito Santo estava reservado a uma elite. Eles só reconheciam sua presença no sensacional, nos cristãos que tinham o dom de falar em línguas e, particularmente, naqueles que eram eloquentes na animação das assembleias. Paulo quer, aqui, restabelecer a realidade do Espírito Santo:
1) Todo fiel que proclamar que “Jesus é o Senhor” (1 Cor 12,3), é habitado pelo Espírito Santo. Portanto, o mais humilde e o menor dos batizados também recebeu o Espírito Santo.
2) O Espírito, o Senhor e Deus são inseparáveis. Sem mesmo chamá-lo pelo nome, Paulo nos fala da Trindade que se dispensa em carismas: dons da graça, mas o Espírito é o mesmo (v. 4), dons dos serviços na Igreja, mas o Senhor é o mesmo (v. 5) e dons das atividades, mas é o mesmo Deus que as realiza (v. 6). O Espírito põe, portanto, todos os fiéis a agir, cada um segundo seus carismas, em vista do bem de todos (v. 7).
3) Esta unidade na diversidade Paulo a exprime através de uma fábula, conhecida na sua época, sobre o corpo e seus membros, para significar que todos os cristãos, em sua diversidade, pertencem ao mesmo corpo, o Corpo do Cristo ressuscitado. Esta pertença transcende as clivagens étnicas: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1 Cor 12,13).
Para João, é na noite da Páscoa que o Espírito Santo é dado aos discípulos reunidos. Que mensagens podemos tirar dessa passagem bíblica?
1) O medo: os discípulos têm medo, eles são fracos, eles se sentem abandonados. As portas estão trancadas. Apesar disso, Jesus se apresenta a eles (v. 19). É, portanto, na humanidade dos discípulos que Cristo se faz presente.
2) A Paz: duas vezes Cristo oferece a sua paz (vv. 19.21). Mas, por que esta insistência? O sentido bíblico da palavra paz não é a ausência de guerra ou de conflitos; é a plenitude de vida que lembra a presença do Ressuscitado (cf. TOB, Lc 1,79 nota J). É, portanto, a sua Vida de Ressuscitado que Cristo dá aos seus discípulos. É uma promessa de Ressurreição também para eles.
3) A Alegria: João sublinha que o Ressuscitado da Páscoa é o Crucificado da Sexta-Feira Santa: “mostrou-lhes as mãos e o lado” (Jo 20,20a). O evangelista não quer dizer que se trata do cadáver de Jesus reanimado; o Ressuscitado se apresenta como aquele que fica para sempre marcado por sua humanidade, aquele que, pela cruz, testemunhou o Amor infinito de Deus. Do seu lado aberto nasceu a Igreja, ápice do sangue da Vida nova e da água viva do Espírito. Esta é a Alegria pascal experimentada pelos discípulos reunidos na noite da Páscoa.
4) O perdão: o sopro do Cristo sobre os seus discípulos nos remete ao sopro de Deus no Gênesis, sopro que dá a vida ao ser humano. Aqui, o sopro de Cristo significa a Vida nova dada aos discípulos, pelo dom do Espírito Santo, para que advenha um mundo novo. Entretanto, uma coisa é essencial para que nasça esse mundo novo: é o perdão. Deus deve, em primeiro lugar, apagar a nossa história passada, derramando sobre nós o sopro do perdão dos pecados: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23). Cabe a nós, portanto, fazer nascer esse mundo novo e é com toda a liberdade que nós podemos fazê-lo ou recusá-lo. Que responsabilidade!
Para terminar, é uma missão que nos é confiada: nós temos a responsabilidade de fazer nascer o mundo novo desejado pelo Cristo da Páscoa. Esta missão é confiada a todos os cristãos em geral e, em particular, aos padres no ministério do perdão. É, portanto, pela nossa abertura ao outro, pela nossa acolhida da sua diferença que nós testemunhamos o Cristo ressuscitado e que nós trabalhamos para fazer nascer esse mundo novo. O Espírito que nos habita não é um Espírito de medo que recusaria a novidade; é um Espírito que nos torna capazes de inventar, criar, decifrar, abrir novos caminhos, a fim de permitir às mulheres e aos homens de hoje encontrar e reconhecer o Cristo sempre vivo através dos seus discípulos. O perdão é fundamental para a recriação do mundo, e o Espírito nos dá a possibilidade de dá-lo ao outro e de recebê-lo do outro, a fim de que nasça esse mundo novo desejado pelo Cristo da Páscoa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pentecostes. O perdão para recriar o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU