30 Setembro 2019
De passagem por Paris para o lançamento do seu novo livro, Peuple, pouvoir et profits (Les liens qui libèrent, 2019) [People, Power and Profits – Progressive Capitalism for an Age of Discontent. Nova York: W. W. Norton & Company, 2019], o economista estadunidense, Prêmio do Banco da Suécia em Economia, passa pelo crivo a inovação, as redes sociais, o clima, a economia... E fornece seu prognóstico para o próximo inquilino da Casa Branca.
A entrevista é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 26-09-2019. A tradução é de André Langer.
No início do seu livro, você escreve que a riqueza das nações se apoia sobre dois pilares: a tecnologia e as instituições. Vamos começar pela primeira: como você explica que ela parece estar a serviço mais da constituição de monopólios do que da inovação?
A ciência e tecnologia são ferramentas. A maneira como as usamos depende de nós. Hoje, grande parte da inovação leva a uma redução na necessidade de trabalhadores não qualificados, o que gera desemprego. As inovações de que precisamos são aquelas que salvariam o planeta, descarbonizariam a economia.
Aqueles que acreditam na mágica dos mercados devem nos explicar por que a inovação não está espontaneamente voltada para atender às nossas necessidades. A única questão que interessa ao mercado é: é rentável? Não é socialmente benéfico, mas é uma fonte de lucros privados? Agora, qual a melhor maneira de obter lucro senão estar em uma posição de monopólio? De garantir que eu não terei um concorrente? Acontece que Adam Smith estava certo: às vezes, mais lucros privados melhoram a situação geral por meio de novos produtos ou ganhos de produtividade. Mas na maioria das vezes não é o caso.
Você fala de Adam Smith, mas não assistimos à segunda morte de Schumpeter? Ele nos ensinou que a inovação é sempre boa e fruto de uma economia de empreendedores.
Gosto dessa expressão, mas gostaria de dizer que esta é sua terceira morte! Joseph Schumpeter explicou que não devemos nos preocupar com os monopólios. Porque incentiva outros empresários a se lançar na concorrência, o que gera uma economia constantemente inovadora. Desde a década de 1980, eu demonstrei que Schumpeter estava errado: uma empresa em posição de monopólio faz de tudo para suprimir a possibilidade da inovação de seus concorrentes. Os monopólios não são temporários, eles duram.
Neste último livro, eu acrescento um argumento adicional: eles não direcionam a inovação para onde seria socialmente útil. Então Schumpeter está morto três vezes!
O que fazer com o Facebook? No seu livro, você diz que precisamos separar as diferentes empresas que o compõem (Whatsapp, etc.). Mas o que será difícil e que é melhor nacionalizá-lo?
Primeiro, nós nunca deveríamos ter permitido que todas essas atividades sejam agrupadas em uma única empresa. Então, sim, devemos separá-las. Mas receio que não seja suficiente para resolver o problema. Consequentemente, é necessário fortalecer as regulações para evitar o abuso do poder de mercado. Mas, novamente, receio que ainda não seja suficiente.
Por quê?
Nós não conhecemos os algoritmos com os quais o Facebook trabalha, não sabemos em que proporção ele usa nossos dados pessoais. Não sabemos até que ponto essas informações são usadas para fortalecer seu poder de mercado. As redes sociais conhecem melhor sua tecnologia do que nós, o que dificulta sua regulamentação. Imaginemos que eles nos deem o código de seu algoritmo: no momento em que o entendermos, terão inventado um novo código!
Nós compreendemos o benefício de uma rede social, ou seja, a capacidade de interação entre muitas pessoas. Mas tenho que pagar porque a empresa obtém lucros com base nas informações que dou e troco. Boa parte do Facebook tem apenas um objetivo: como extrair ainda mais vantagem dos seus clientes?
Eu continuo aberto sobre a decisão final: se conseguirmos regular o Facebook, devemos fazê-lo.
E se não conseguirmos?
Então, é preciso nacionalizá-lo. Eu insisto, estou aberto em relação à solução. Mas os três últimos anos mostraram que, se seus líderes nos prometeram que iriam se emendar, não vemos nada disso acontecer. Ou melhor, a Libra, por exemplo. Uma chamada criptomoeda transparente. Mas é um oxímoro! Uma criptomoeda nunca é transparente. Nós dispomos de uma boa moeda, o dólar, e isso é mais do que suficiente!
Você dedica grande boa da sua obra às instituições. Você está redescobrindo as obras de institucionalistas americanos do início do século XX, como Thorstein Veblen ou John R. Commons?
Os institucionalistas americanos desse período adotaram uma abordagem quase antropológica, descritiva, e foram substituídos por economistas que rejeitaram suas preocupações para se concentrarem na oferta e na demanda. Desde o final dos anos 60, venho escrevendo que os economistas deveriam ajudar a explicar o funcionamento das instituições. Na época, eu tentei decifrar por que o arrendamento a meia estava presente na agricultura. Hoje, penso que os economistas não prestam atenção suficiente às regras e às normas que regem o funcionamento da economia, por exemplo, como a governança corporativa é organizada e em benefício de quem.
Na década de 1970, trabalhei nas leis da falência e entendi que elas influenciavam a distribuição de créditos em uma economia, assim como o equilíbrio político entre credores e devedores. Eu me debrucei sobre isso novamente quando estava no Banco Mundial, porque os países estavam pedindo ajuda para redigir sua lei de falências. E quando me tornei consultor econômico de Bill Clinton, pude contribuir para reescrever essas leis nos Estados Unidos, analisando os aspectos redistributivos dessas leis. É preciso analisar as normas para entender a economia.
Governança corporativa, relações de força econômicas..., é exatamente sobre isso que estavam trabalhando os institucionalistas do início do século XX! Você recomendaria sua releitura?
Sim. Mas acho que eles não tinham as ferramentas teóricas necessárias para ir ao fundo dos problemas que eles colocavam. Eles entenderam o papel fundamental das instituições e as batalhas políticas que as cercam, mas não puderam aprofundar as soluções possíveis, porque lhes faltaram as noções adequadas – assimetria de informação, contratos incompletos... – para isso.
Eles não tinham modelo, um modo de raciocínio essencial em economia?
Não apenas em economia! Se você aponta para instituições que não funcionam e que deseja mudar, precisa ser capaz de estimar as consequências redistributivas das mudanças, o que permite elaborar um modelo.
Você é a favor do uso do imposto carbono para combater as mudanças climáticas. Mas o que pode ser feito quando parte da população se opõe?
Devemos começar usando a ferramenta da regulamentação para incentivar comportamentos mais virtuosos. Em seguida, mobilizar investimentos públicos, desenvolver o transporte coletivo... Tudo isso possibilita reduzir o montante do imposto carbono necessário. Uma vez feito isso, deve-se levar em consideração seus efeitos redistributivos.
Deste ponto de vista, os economistas gastaram tempo demais estudando os efeitos médios dessas taxas. No entanto, em média, os ricos andam mais que os pobres. Conclusão: é uma política progressiva. Exceto que as pessoas não vivem na média! As pessoas menos favorecidas podem sofrer um aumento em seus custos de transporte e, para elas, é necessário desenvolver infraestruturas públicas ou conceder-lhes tickets de combustível a preço reduzido. Esta não é a solução mais perfeita, mas ajuda.
Finalmente, você só pode lançar esse tipo de política se as elites dirigentes forem respeitadas. Se você tem no poder pessoas que repetem que a globalização e a liberalização financeira beneficiam a todos, elas perdem sua credibilidade. Os líderes políticos não foram suficientemente sensíveis aos efeitos das políticas na vida das pessoas. Na França, o governo aumenta o imposto carbono e elimina as pequenas linhas de trens após ter reduzido os impostos dos mais ricos. Como você quer que as pessoas acreditem em você?
O que você acha desse raciocínio: se um progressista chegar ao poder nos Estados Unidos, ele ou ela aumentará os salários, o que elevará os preços, o Banco Central terá que aumentar as taxas de juros, o que fará explodir as dívidas privadas e públicas?
Começaria com um aumento do salário mínimo, o que poderia ter um efeito cascata nos salários logo acima. Hoje, porém, os salários mais baixos são tão baixos que, mesmo que você os dobre, duas vezes não é grande coisa, ainda assim seria grande coisa! Isso não aumentaria os custos das empresas de maneira desproporcional.
O WalMart emprega muitas pessoas com baixos salários e obtém bilhões em lucros. Se você aumentar o salário mínimo de US $ 11 para US $ 15 a hora, isso reduzirá seus lucros marginalmente. Você sabe, o salário mínimo real, ajustado pela inflação, nos Estados Unidos está no mesmo nível de 60 anos atrás. Sessenta anos! Se você elevar seu nível ao que era o seu há quarenta anos, não vejo como isso causaria inflação maciça.
Pesquisas sociais mostram que a jovem geração americana, a geração dos Millennials, apoia valores progressistas. Isso mudará a vida política americana?
Eu desejo e acredito que sim. Em algumas questões, a mudança foi extremamente rápida; penso, por exemplo, na aceitação do casamento gay. Acredito que tudo começa com as questões ambientais, elas cumprem o mesmo papel que desempenhou para a minha geração a luta pelos direitos civis. Fomos ensinados na escola que todos os homens são iguais, mas bastava andar pela rua para ver que não era esse o caso. Martin Luther King fez então a pergunta: como você quer combater a injustiça social se não lutar contra a injustiça econômica? Foi isso que inspirou pessoas como eu a fazer economia.
Estamos em um momento similar. A geração mais jovem percebeu que não terá futuro se não interrompermos o aquecimento global. Partindo do clima, olhamos para tudo o que não está bem, para todas as fontes de discriminação, e nos mobilizamos.
A geração mais jovem está se mobilizando pelo meio ambiente e as ideias progressistas, mas os economistas parecem ficar para trás.
De modo geral, sim, é verdade. Os trabalhos teóricos que alimentaram minha reflexão para o Alto Comissário sobre o preço do carbono, do qual participei, foram publicados na European Economic Review. Eu teria tido problemas para publicá-los em uma das principais revistas americanas.
Até você!
Sim. Existem revistas sérias nas quais ainda é possível publicar sobre esse tipo de assunto. Felizmente, uma grande parte – não saberia dizer exatamente quanto – dos economistas americanos está mudando. Por exemplo, a economia comportamental permite destacar os comportamentos de discriminação implícita, os especialistas em trabalho explicam que o mercado de trabalho é tudo menos competitivo. Pessoas como Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman publicam sobre as desigualdades e são seguidos com muita atenção.
As coisas estão mudando. Mas a economia dominante está resistindo. Você pode publicar um artigo sobre um tema importante em economia comportamental. Mas se você começar dizendo que o modelo de mercado concorrencial está errado, seu artigo não terá nenhuma chance de ser publicado! Os mais jovens são mais abertos à contestação e são mais rápidos em reconhecer os limites da abordagem mainstream.
Eu publiquei, no ano passado, na Oxford Review of Economic Policy um artigo crítico sobre os modelos usados pela economia dominante para explicar por que seus fundamentos estavam errados, o que ajuda a determinar por que eles não entenderam nada sobre crise de 2007-2008. Recebi dois tipos de reação: muito positivas entre os maiores de 60 anos e os abaixo de 35 anos, muito negativas entre os dois, daqueles que cresceram com esses modelos, e foi uma oposição mais emocional do que racional! Eu não conseguiria ter debates sérios com eles.
Pior. No final dos anos 80, fundei o Journal of Economic Perspectives para dispor de um espaço para debates abertos. Depois, foi tomado por economistas tradicionais. Eles publicaram um conjunto de artigos atacando meu trabalho, mas não me deram a oportunidade, como se costuma fazer, de publicar uma resposta.
Última pergunta: quem será o próximo presidente ou presidenta dos Estados Unidos?
(Riso). Do lado dos democratas, o mais provável é que o candidato ou a candidata venha da ala progressista do partido. Quando digo isso, você deve se lembrar de que quando Joe Biden se tornou o vice-presidente de Barack Obama, ele era considerado do clã progressista, estava muito próximo dos sindicatos, e aqueles que estavam próximos a ele eram classificados de esquerda. O fato de ele ser visto hoje como um centrista mostra a evolução do Partido Democrata. Quando eu cruzo com os seus conselheiros, eles querem saber como aumentar o poder dos assalariados, se assegurar de que se paga bem as horas extras...
Os eleitores democratas farão sua escolha nas primárias com um único objetivo em mente: derrotar Donald Trump. Ele é uma ameaça à nossa democracia, uma ameaça à nossa economia, uma ameaça à nossa sociedade. Quem é o melhor colocado? Aquele ou aquela capaz de suscitar entusiasmo entre os eleitores comprometidos ou quem conseguir captar os votos do centro? Penso que hoje seria melhor ter alguém que suscite entusiasmo.
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“Tudo começa com as questões ambientais”. Entrevista com Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU