22 Abril 2019
"O dia 19 de abril é conhecido como o “Dia do Índio”. Mas os indígenas, que chegaram às Américas há cerca de 13 mil anos e se espalharam pelo continente nos milênios seguintes, não têm nada a comemorar ", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 17-04-2019.
O dia 19 de abril é conhecido como o “Dia do Índio”. Mas os indígenas, que chegaram às Américas há cerca de 13 mil anos e se espalharam pelo continente nos milênios seguintes, não têm nada a comemorar. O mundo indígena entrou em colapso após a chegada dos europeus, com Cristóvão Colombo, em 1492, e Pedro Álvares Cabral, em 1500. Os sobreviventes vivem em situação de miséria, discriminação e abandono.
Como mostrou Jared Diamond, no livro “Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas”, os colonizadores espanhóis e portugueses saquearam as civilizações antigas das Américas – contando com a participação decisiva da hierarquia católica – e provocaram um genocídio dos povos que, vindo da Ásia, habitavam o continente durante milênios.
Como mostrou Celso Furtado na primeira frase do livro Formação Econômica do Brasil: “A ocupação econômica das terras americanas constitui um episódio da expansão comercial da Europa” (Furtado, 2005, p. 10).
Na mentalidade colonizadora, contra os índios hostis, foi aplicada a ideia das “guerras justas”. Para tanto se recorreu ao imaginário de práticas indígenas bárbaras, tais como o canibalismo, a poligamia, etc. A difusão da cruz e da mensagem bíblica entre as populações indígenas era uma necessidade essencial na legitimação da conquista do selvagem vivendo em uma sociedade dita “sem fé, sem lei e sem rei”.
De acordo com Oliveira e Freire (2006), tal estereótipo – que lembrava práticas demoníacas existentes nos tempos medievais da luta cristã contra feiticeiros e bruxas – era sempre acionado em defesa dos interesses econômicos dos colonizadores. Segundo os autores: “O projeto colonial português envolveu uma política indigenista que fragmentava a população autóctone em dois grupos polarizados, os aliados e os inimigos, para os quais eram dirigidas ações e representações contrastantes (…) Os povos e as famílias indígenas que se tornavam aliados dos portugueses necessitavam ser convertidos à fé cristã, enquanto os ‘índios bravos’ (como eram chamados nos documentos da época) deviam ser subjugados militar e politicamente de forma a garantir o seu processo de catequização. Este tinha por objetivo justificar o projeto colonial como uma iniciativa de natureza ético-religiosa preparando a população autóctone para servir como mão-de-obra nos empreendimentos coloniais” (p. 35).
Como mostrou Vainfas (1995), as populações indígenas foram progressivamente sugadas pelo sistema colonial nascente e “se tornaram, no vocabulário da época, ‘negros da terra’, termo usado para diferenciar os índios dos ‘negros da Guiné’, uns e outros escravos”.
Todavia, depois de 500 anos do holocausto das populações ameríndias, o mapa religioso das populações indígenas começa a mudar, em função do avanço evangélico, que de certa forma, significa um novo genocídio populacional e cultural.
O filme “Ex-Pagé – uma história de etnocídio” conta a história da tribo Pater Saruí, que vive em uma reserva indígena da Amazônia, mostrando como as tradições e crenças originais da tribo se perderam ao longo dos anos, quando em contato com as populações não indígenas e, em especial, com os missionários evangélicos.
Assista o trailer.
O Instituto Socioambiental (ISA) considera que, em pleno 2019, os direitos dos indígenas estão ameaçados e um novo colapso das populações nativas está em curso: “A reestruturação dos órgãos relacionados aos direitos indígenas pode ser considerada a mais profunda em quase 30 anos. Subordinada ao Ministério da Justiça (MJ) desde 1991, a Fundação Nacional do Índio (Funai) está agora abrigada na pasta da Família, Mulher e Direitos Humanos, comandada pela polêmica Damares Alves. As atribuições de demarcar as Terras Indígenas (TIs) e opinar sobre o licenciamento ambiental de projetos com impactos sobre essas áreas foram transferidas do órgão indigenista para a Secretaria de Assuntos Fundiários (Seaf) do superministério da Agricultura (Mapa), comandado pelos ruralistas, adversários históricos das demarcações e principal base de apoio de Bolsonaro”.
O fato é que há uma perda de direitos e uma transição religiosa entre as populações nativas. O artigo “Cambios en el perfil religioso de la población indígena del Brasil entre 1991 y 2010” (Alves et. al. 2017), publicado na revista Notas de Población, da Cepal (n. 104, jan-jun 2017) analisa as mudanças religiosas que ocorrem entre os indígenas no Brasil, entre 1991 e 2010, de forma contextualizada, com base nos microdados dos Censos Demográficos.
Segundo os dados censitários, os católicos que apesar de serem o grupo majoritário e menos heterogêneo, apresentam tendências declinantes, enquanto, os evangélicos que possuem grande heterogeneidade, apresentam crescimento contínuo. Também houve aumento das outras denominações e daquelas pessoas que se declaram sem religião. Evidentemente, esta transição religiosa tem ritmo e motivações diferenciadas nos diversos segmentos populacionais.
A análise detalhada dos dados das duas últimas décadas certamente contribui na compreensão da dinâmica religiosa e nas alterações quantitativas entre o percentual de católicos e evangélicos – os dois maiores grupos religiosos – no contexto da pluralidade e da diversidade cultural dos povos nativos do Brasil. Embora estes números mostrem alguma semelhança com a distribuição verificada na população não indígena, nota-se uma maior pluralidade religiosa entre os povos indígenas. Também a razão de evangélicos sobre católicos (REC) é maior entre os indígenas do que entre a população não-indígena nacional.
O contraste mais acentuado ocorre nas áreas rurais (onde moram a maior parte da população indígena e a menor parte da população não-indígena). Na região Norte, que tem o maior número de indígenas, a REC passou de 20% para 60%, isto quer dizer que havia 20 índios evangélicos para cada 100 índios católicos em 1991, passando para 60 índios evangélicos para cada 100 católicos em 2010.
Mas a transformação mais marcante ocorreu na região Centro-Oeste, que tem a segunda maior população indígena e onde a REC passou de cerca de 45% em 1991 para cerca de 90% em 2010. No estado do Mato Grosso do Sul, os evangélicos já ultrapassaram os católicos entre os indígenas, pois a REC passou de 68% em 1991 para 146% em 2010. Não por coincidência, em 1912, foi no atual Mato Grosso do Sul que ocorreu a evangelização dos índios Terenas, considerada a primeira conversão evangélica do Brasil. E foi também entre os Terenas que foi construída a primeira igreja evangélica.
A pluralidade religiosa também foi maior entre a população indígena jovem como revelou a análise dos dados da estrutura etária. Assim, a dinâmica geracional indica que as filiações católicas devem continuar caindo. Destaca-se ainda que a soma das religiões cristãs (católicos e evangélicos) tinha um peso relativamente menor entre a população indígena do que na população total do Brasil.
O artigo “Cambios en el perfil religioso de la población indígena del Brasil entre 1991 y 2010” traz uma análise histórica sobre a transição religiosa entre a população indígena no Brasil e apresenta uma ampla bibliografia e um quadro estatístico das mudanças ocorridas entre 1991 e 2010 nas regiões e municípios brasileiros. O artigo pode ser acessado livremente no link abaixo.
Referência
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A evangelização dos índios e a transição religiosa entre os povos originários. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU