22 Mai 2018
"Na luta por condições de vida mais igualitárias, o primeiro passo é identificar que certos hábitos, comportamentos, muitas vezes passados de geração em geração, são, em realidade, segregacionistas", escreve Nelson Olivo Capeleti Junior, advogado, em artigo publicado por Migalhas, 17-03-2018.
O antropocentrismo e o especismo enquanto formatações de um consciente coletivo e seus reflexos nas criações legislativas.
Importante ponderar a extensa ponte que a humanidade precisa atravessar, em transição, para atingir um nível de consciência em que todos os seres vivos deste planeta sejam tratados enquanto sujeitos de direitos, deixando de ser, portanto, os animais não humanos, abordados sob o conceito de coisas.
Deste modo, em que pese às frágeis legislações ambientais, os animais não humanos, apesar da semelhança biológica com os seres humanos, não são tutelados conforme sua natureza corpórea, enquanto portadores de vida e reféns de sentimentos.
No atual estágio de desenvolvimento social da humanidade, os animais não humanos são tutelados enquanto propriedade; coisas das quais o proprietário dispõe, ou, enquanto fauna, tutelada sob a ótica de direito difuso, portanto, importando a toda a coletividade, sob o prisma de conservação da natureza.
Assim, o reconhecimento do animal não humano enquanto sujeito de direito tal qual o animal humano, é utopia, dada as limitações morais da sociedade contemporânea.
Ademais, no presente ano, de 2018, completam-se 73 anos que findou a segunda guerra mundial, responsável pelo genocídio de seis milhões de judeus, e a morte de aproximadamente cinquenta milhões de pessoas entre civis e militares.
Os horrores produzidos na segunda guerra mundial, o genocídio do povo judeu pela Alemanha Nazista, as bombas Napalm dos Estados Unidos sobre Tóquio e as ogivas nucleares sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, demonstraram o quanto a humanidade é primitiva, não possuindo a capacidade de sequer, perceber no indivíduo de outra nacionalidade ou crença religiosa um irmão em humanidade.
Depois de perpetrados os horrores da segunda guerra mundial, nos Estados Unidos da América, na segunda metade do século XX, houve um grande e importante movimento a favor da igualdade racial, comandada por Martin Luther king Jr, o qual combatia as leis segregacionistas.
Lá, nos Estados Unidos, país exportador do modelo democrático, negros não tinha os direitos civis reconhecidos, sendo, a pouco menos de 50 anos, tratados como uma subespécie de humanos.
Hodiernamente, as desigualdades e injustiças, preconceitos e violências sem justificativas são rotina no cotidiano do planeta. A criatura humana é ainda, incapaz de desejar ao seu semelhante, os mesmos direitos e liberdades que deseja para si. Sob uma lógica de acumulo de riquezas, sempre que o outro tem menos, “eu”, passo a ter mais.
As idéias que a criatura humana faz da segunda existência, leva ao santuário doméstico as mais atrozes discórdias, por acreditar-se que o criador, “Deus”, seja portador de todos os preconceitos que a criatura humana externa, deste modo, membros de um mesmo agrupamento familiar se colocam uns contra os outros, (aceitação de opção sexual), assentando em Deus a sua incompreensão pela natureza humana.
Sob este prisma, o indivíduo não apenas cria Deus a sua imagem e semelhança, mas o faz tão ignorante quanto o é a criatura humana, em sociedade.
Não obstante, o antropocentrismo, que se constitui em sistemas filosóficos e crenças religiosas que atribui ao ser humano uma posição de centralidade em relação a todo o universo, leva a criatura humana a abusar, não apenas de seus semelhantes, mas de todas as outras formas de vida que habitam este planeta.
A consciência coletiva da humanidade, sobretudo em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, simplesmente olvida para o fato de que, este planeta, pequenino, é integrante de um sistema planetário, que por sua vez, encontra-se inserido entre bilhões de outros sistemas planetários, nesta galáxia, que é apenas uma das mais de cem bilhões de outras galáxias existentes no universo observável.
Ora, a percepção da criatura humana não transcende sequer seu próprio quintal, pensa que tudo se resume a sua espécie, antropocentricamente, engendra crenças dogmáticas que embasam tal visão de mundo. Assim, urge investimentos em educação para que a criatura humana, transmutando a ideia que faz de mundo, em visão universal, depare-se com a pequenez da existência terrena ante tão vasto universo, e perceba, o quão mesquinhas são as lutas por poder ou bens materiais.
Data vênia, o estado de primitivismo em que se encontra a criatura humana, os sistemas de crenças que regem a humanidade sob a égide de dogmas que refletem as misérias morais das criaturas que as engendraram, corrobora com todo tipo de desigualdade e incompreensão.
Quando a ciência tenta avançar em conhecimento, trazendo informações que se contrapõem aos dogmas religiosos, os padres e pastores, se opõe ao conhecimento cientifico, eis que temem refutar a visão que fazem de seu Deus.
De todo o exposto, não significa dizer que não exista um arquiteto universal, afinal, estamos restritos a analise do ambiente que nos cerca, circunscritos aos sentidos limitados que constituem a criatura humana, e não obstante, a física quântica já vem provando que a matéria pode existir em faixas de vibração imperceptíveis aos sentidos sensoriais humanos.
Vejam, estamos circunscritos a um sistema de crenças que olvida para a verdadeira grandeza do arquiteto universal, sendo que, ao invés de reverenciarmos a sua criação universal, da qual todas as criaturas humanas e não humanas são componentes, em igualdade de condições biológicas, desenvolvemos um sistema de crenças baseado no antropocentrismo, colocando a criatura humana como elemento central da criação, desrespeitando assim todos os nossos irmãos não humanos, biologicamente semelhantes a nós.
Eis que deste sistema de crenças, antropocêntrico, advém toda uma construção normativa que rege o Estado. Assim, todas as formas de vida biológica, não humanas, em que pese à igualdade e semelhança de sentidos e funções, são tuteladas pelo ordenamento jurídico enquanto coisas, e não enquanto sujeitos de direitos.
Assim, em que pesem as frágeis legislações ambientais, o próprio direito, enquanto construção social acaba por refletir diretamente o sistema de crenças que rege a sociedade, fazendo da visão antropocêntrica da criatura humana, norma jurídica a ser observada por toda a coletividade.
Conforme dito anteriormente, a sociedade, ainda, hodiernamente, luta pela igualdade entre seus semelhantes, indo contra leis de segregação, e tais lutas são necessárias. As políticas excludentes dos Estados, como a criminalização da população pobre e negra no Brasil, os genocídios étnicos em países africanos, os conflitos de cunho teológico no oriente médio, e até mesmo a atual política nacionalista dos Estados Unidos, fechando suas fronteiras para refugiados de guerra, das quais o próprio Estado norte americano faz parte, ao interferir nos conflitos no oriente médio, são eventos que nos mostram o quanto é imperativo militar na seara dos direitos humanos e da extensão destes direitos as demais espécies do planeta.
Se a igualdade e o respeito entre os homens nos parecem tão distante, o reconhecimento entre todas as espécies do planeta enquanto sujeitos de direito certamente nos parece utopia, todavia, devemos pensar como Eduardo Galeano, escritor uruguaio, que assevera:
“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Embora o tema nos pareça distante, o da igualdade entre todos os seres vivos deste planeta, no que concerne ao reconhecimento da vida enquanto valor maior a ser protegido, em iguais condições, não se deve abandonar tais postulados. Por mais que outros vos digam que defender tais ideais não passa de mera abstração, lembra-te, que outrora, Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, e muitos outros célebres irmãos que lutaram por um mundo melhor, sofreram as mais infames injurias de seus contemporâneos, por defenderem idéias que a todos pareciam insensatas.
Na luta por condições de vida mais igualitárias, o primeiro passo é identificar que certos hábitos, comportamentos, muitas vezes passados de geração em geração, são, em realidade, segregacionistas. Assim, a própria abolição do sistema escravagista sofreu grande resistência, eis que grande parcela da população, simplesmente não aceitava que um homem negro tivesse a mesma liberdade que os homens brancos, porque cresceu em uma sociedade que lhes transmitiu estes valores deturpados.
Da mesma forma, para alguém do ocidente, a culinária oriental pode parecer estranha, e vice e versa, porque tudo esta, umbilicalmente ligado a conceitos sócio culturais.
Assim, o especismo, crença de que a vida do animal humano é mais importante do que a vida de um animal não humano, precisa ser combatida, para que a espécie humana possa viver em maior harmonia com o ambiente do planeta, vez que hodiernamente a criatura humana é uma espécie demasiadamente predatória. Deste modo, o especismo encontra relevante definição nestes termos: (web, 2017, Wikipédia).
O especista acredita que a vida de um membro da espécie humana, pelo simples fato do indivíduo pertencer à espécie humana, tem mais peso e mais importância do que a vida de qualquer outro ser. Os fatores biológicos que determinam a linha divisória de nossa espécie teriam um valor moral – nossa vida valeria “mais” que a de qualquer outra espécie.
Por fim, embora existam tantos problemas de relevante grandeza, os quais a sociedade precisa resolver, em especial no Brasil, tais como: crise institucional, de representatividade, um sistema prisional desumano que fomenta a criminalidade ao invés de combatê-la, enfim, em que pese todas as mazelas da sociedade, pensar a igualdade para além da igualdade é tarefa difícil, porem necessária.
Se existe uma força motriz na sociedade, esta deve estar a serviço do progresso, e não se pode conceber, hodiernamente, qualquer progresso, que não esteja intimamente relacionado com a igualdade entre os povos e o equilíbrio do ecossistema, para tanto, urge uma mudança de paradigma, a partir do abandono das visões antropocêntricas, reconhecendo a igualdade de condições entre todos os seres que habitam este planeta.
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Por que pensamos, e o direito reproduz a ideia de que apenas a vida do animal humano é relevante? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU