05 Dezembro 2017
"Estamos nos tornando um país do terceiro mundo", disse Donald Trump em 16 de junho de 2015, quando anunciou sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos.
A reportagem é de Ángel Bermúdez, publicada por BBC Mundo, 03-12-2017.
A afirmação, que Trump repetiu em outras ocasiões durante o quase um ano e meio da campanha eleitoral, baseou-se no desempenho dos EUA em indicadores da educação na comparação mundial - algo apontado como exagerado por seus críticos.
No entanto, a realidade é que há vários indicadores de desenvolvimento social em que os Estados Unidos aparecem atrás na comparação com outros países ricos - e, às vezes, lado a lado com países em desenvolvimento.
O assunto é alvo de debates no país, onde especialistas e cidadãos diferem em sua avaliação sobre a situação dos pobres no país.
Um estudo do Centro de Pesquisas Pew aponta, por exemplo, que a maioria dos americanos de classe média e alta concorda com a ideia de que "os pobres hoje vivem situação mais fácil porque podem receber benefícios do governo sem fazer nada em troca".
Por outro lado, dois terços dos cidadãos de baixa renda concordam com a afirmação de que "os pobres têm uma vida difícil porque os benefícios sociais não são suficientes para ajudá-los a viver uma vida decente".
A BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, listou alguns dos indicadores que colocam em xeque os níveis de desenvolvimento e bem-estar nos Estados Unidos.
O relatório mais recente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) indica que a expectativa de vida dos americanos é de 79,2 anos.
Esse dado coloca o país como o 40º do mundo, atrás de um conjunto de países desenvolvidos mas também de alguns países latino-americanos, como Chile, Costa Rica e Cuba - essa não é, no entanto, a realidade da comparação com o Brasil, onde a expectativa de vida é de 74,7 anos.
O país líder nesse indicador é o Japão, com 83,7 anos, e o lanterna é a Suazilândia, com 48,9 anos.
Mas, assim como no Brasil, essas médias nacionais variam consideravelmente quando segmentadas por escolaridade e raça.
Nos EUA, enquanto a expectativa de vida de um homem branco com educação universitária é de 80 anos, a de um homem afro-americano com baixa escolaridade é de 66 anos, segundo pesquisas do Centro Nacional sobre a Pobreza nos Estados Unidos (NPC, na sigla em inglês).
"O problema nos Estados Unidos é que o bem-estar é incrivelmente estratificado", explicou à BBC Mundo um dos autores do estudo, Luke Shaefer, professor e diretor da Iniciativa para a Solução da Pobreza da Universidade de Michigan, nos EUA.
"O país aparece muito bem se você compara o estrato superior da sociedade americana com os países ricos. A questão é a incrível diferença no bem-estar entre os pobres e os americanos com mais recursos", aponta, acrescentando que, em 2008, a expectativa de vida para os homens afro-americanos sem educação superior era equivalente à dos cidadãos do Paquistão, Butão e Mongólia.
Os números sobre mortalidade infantil - o número de crianças que morrem por mil nascidos vivos - é outro indicador clássico do bem-estar social.
De acordo com o relatório mais recente do Pnud, que utiliza dados de 2015, esse indicador é de 5,6 nos EUA. Isso o coloca no 44º lugar do mundo, novamente superado pelos países ricos como um todo, bem como por Cuba, Bósnia e Croácia.
Nesse caso, as diferenças sociais dentro dos Estados Unidos também são evidentes. De acordo com Shaefer, em 2011, a taxa de mortalidade infantil entre os afro-americanos era semelhante à de Togo e da Ilha de Granada.
O bem-estar das crianças americanas também é colocado em xeque quando são considerados indicadores de pobreza infantil.
De acordo com um estudo do Unicef de 2012, que comparou a situação de crianças em 35 países de economia avançada, os Estados Unidos apareceram no penúltimo lugar - antes apenas da Romênia.
O indicador de pobreza infantil relativa, que mede a porcentagem de crianças que vivem em uma família cuja renda - ajustada ao tamanho e à composição da família - é inferior a 50% da renda média nacional, registrou 23,1% das crianças americanas nesta situação.
Desde o início deste século, os Estados Unidos registraram um aumento nos índices de mortalidade materna, cuja taxa passou de 17,5 mortes por mil nascimentos em 2000 para 26,5 em 2015, de acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet em janeiro deste ano.
É um fenômeno que vai na contramão das tendências no restante do mundo industrializado, onde houve um declínio no mesmo período. Esse foi o caso, por exemplo, do Japão (de 8,8 para 6,4), Dinamarca (de 5,8 para 4,2), Canadá (de 7,7 para 7,3) e França (de 11,7 para 7,8).
Além disso, o número registrado nos Estados Unidos é superior ao da Costa Rica (24,3), da China (17,7), do Vietnã (15,6) e do Líbano (15,3).
Nesse caso, há também uma clara desigualdade nos Estados Unidos: a taxa de mortalidade materna entre mulheres brancas é de 13, mas entre as afro-americanas é de 44.
A segurança pessoal, a possibilidade de proteger a própria vida, é considerada outro elemento básico do bem-estar social.
De acordo com o relatório mais recente do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC), os Estados Unidos registram uma taxa de homicídio de 4,88 óbitos por 100 mil pessoas, o que o coloca em 59º lugar no mundo.
Esse número contrasta com o de países europeus, como Áustria (0,51) ou Holanda (0,61), mas também com o Canadá (1,68) e até a Albânia (2,28), Bangladesh (2,51) e Chile (3,59, de acordo com dados de 2014, os mais recentes).
No estudo publicado pelo Centro Nacional sobre a Pobreza, Shaefer sugere analisar não os dados nacionais de homicídios, mas sim a situação individual das cidades americanas com mais de 200 mil habitantes e taxa de pobreza de 25%.
Nelas, o número de homicídios aumenta para 24,4 (de acordo com dados de 2012), situação ligeiramente melhor que a da Colômbia (26,5) e do Brasil (26,74) - mas muito pior do que a Argentina (6,53), o Peru (7,16) e o Uruguai (8,42).
Além de representar um risco para a saúde das mulheres jovens, a gravidez na adolescência é frequentemente associada à vulnerabilidade.
Segundo dados do Banco Mundial para 2015, os EUA registram uma taxa de 21 nascimentos desse tipo para cada mil mulheres entre 15 e 19 anos de idade - colocando o país no 68º lugar do mundo, mesmo nível de Djibouti e Aruba, e bem acima da média de países com altos níveis de renda.
Outros países ricos têm números bem mais baixos, como Japão (4), Alemanha (6) e França (9). No Brasil, a taxa é de 67.
Os EUA são sede de dezenas das melhores universidades do mundo. Mas isso não significa que a formação média dos americanos esteja à altura desses centros de excelência.
De acordo com um estudo realizado no âmbito do Programa Internacional para Avaliação de Competências (PIAAC, na sigla em inglês), entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país teve uma performance considerada medíocre.
A pesquisa mediu três níveis educacionais diferentes em termos de capacidade de leitura e habilidade numérica: pessoas que não completaram o ensino médio, indivíduos com ensino médio completo e outros com pelo menos dois anos de ensino universitário cursado.
Participaram da análise pouco mais de 20 países: Austrália, Áustria, Canadá, República Checa, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Países Baixos, Noruega, Polônia, Coréia do Sul, Eslováquia, Espanha, Suécia, Estados Unidos, Bélgica e Reino Unido.
No teste sobre a capacidade de leitura, entre aqueles que não haviam terminado o ensino médio, os americanos ficaram entre os cinco países com os piores resultados; entre aqueles que completaram esse nível de estudos, o país ficou abaixo da média de todos.
No caso de pessoas que tinham começado a cursar a universidade, os americanos ficaram acima de oito países, empataram com outros seis - mas foram ultrapassados por sete nações.
Além disso, os Estados Unidos registraram a maior diferença entre os resultados obtidos por aqueles que não terminaram o Ensino Médio e aqueles que têm pelo menos dois anos de ensino universitário.
Na avaliação das habilidades numéricas, os americanos ficaram consistentemente abaixo da média da OCDE nos três níveis educacionais estudados. Além disso, o país ficou na lanterna em dois níveis: entre os que não terminaram o ensino médio e aqueles que concluíram esta etapa.
Para aqueles que completaram pelo menos dois anos de ensino superior, os EUA superaram a Espanha e a Itália e se igualaram a outros cinco países - ficando atrás de 15 outras nações.
Ao explicar por que os EUA registram indicadores de desenvolvimento tão significativamente abaixo de outros países ricos, Shaefer aponta para as peculiaridades da rede de assistência social no país.
"Os Estados Unidos sempre tiveram uma rede de segurança social menos generosa. Os programas sociais visam os pobres, em vez de serem benefícios universais, como é o caso em muitos outros países industrializados onde, além disso, você não possui essas enormes disparidades de riqueza que temos aqui", explica.
Shaefer publicou o livro Dois dólares por dia: vivendo com quase nada nos Estados Unidos, no qual acompanhou famílias americanas que sobreviviam com cerca R$ 6,4 (em valores atuais) por dia por pessoa.
"O que faz diferença nos Estados Unidos é que muitos deles também têm seguro de saúde e cupons de comida, mas não têm dinheiro em espécie. O que você faz nos EUA quando você não tem dinheiro para pagar a energia elétrica ou as coisas que você precisa em uma entrevista de emprego? Em 2011, havia 1,5 milhão de famílias e mais de 3 milhões de crianças nos Estados Unidos que viviam assim", afirma.
No entanto, essa visão sobre a pobreza no país e as falhas do sistema de assistência social não é compartilhada por todos.
Um estudo da Fundação Heritage questionou a validade dos dados do Censo dos Estados Unidos - que estimou haver quase 15 milhões de crianças vivendo na pobreza em 2014. Para a fundação, esses dados não levavam em conta muitos dos benefícios sociais que as famílias dessas crianças recebiam do Estado.
Para a instituição, famílias com crianças oficialmente listadas em estatísticas de pobreza vivem em condições favoráveis.
"A família média pobre nos Estados Unidos tem ar-condicionado, um carro ou caminhonete, TV a cabo, um computador, um telefone celular e (se houver crianças na casa) videogames. Eles têm o suficiente para comer e não são malnutridos", diz o estudo da fundação.
"Eles vivem em uma casa confortável que está em boas condições e têm mais espaço do que a média não pobre da Alemanha, França, Suécia e Reino Unido", acrescenta.
Shaefer, no entanto, questiona essa visão e adverte que, embora muitas famílias pobres nos Estados Unidos residam em casas amplas, muitas vezes elas não têm dinheiro para aluguel ou serviços básicos, como calefação.
"Se os pobres nos Estados Unidos têm tantos recursos, então por que seus resultados são tão ruins? Sabemos que indicadores como a expectativa de vida estão claramente ligados à renda e que os pobres americanos têm uma taxa muito baixa", rebate o pesquisador.
"As pessoas dizem que os pobres nos Estados Unidos são ricos pelos padrões internacionais, mas isso claramente não é verdade porque seus resultados são muito piores do que os do resto da sociedade", conclui
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6 indicadores em que os EUA estão no mesmo nível dos países subdesenvolvidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU