15 Setembro 2017
"Parece-me que as políticas econômicas de diversos países estão colocando em dúvida que o enfoque da austeridade seja o enfoque apropriado neste momento...". O arcebispo Silvano Maria Tomasi, núncio apostólico e membro do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, apresentou o último Relatório das Nações Unidas sobre o comércio e o desenvolvimento.
Ele indicou os perigos de uma "hiperglobalização" e enfatizou que, para superar definitivamente a crise financeira e econômica de 2008-2009 - e os desequilíbrios globais que levam muitos africanos a migrarem para a Europa e a enfrentarem ofensas contra sua dignidade, além do perigo de morrerem -, é necessário "aumentar os salários e os investimentos públicos" com um "New Deal", que lembra muito a situação dos Estados Unidos durante a década de 1930.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 14-09-2017. A tradução é de André Langer.
"Sem esforços significativos, continuados e coordenados para reativar a demanda global aumentando os salários e os investimentos dos governos, a economia global estará condenada a um crescimento lento, quando não algo pior", disse Tomasi, ao apresentar na sede da Rádio Vaticano o relatório da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) sobre o comércio e o desenvolvimento em 2017, intitulado Beyond Austerity: Towards a Global New Deal (Para além da austeridade – rumo a um novo pacto global).
"Este é o momento perfeito para entrar nos investimentos privados com a ajuda de um estímulo fiscal concertado para acionar novamente os motores do crescimento e, ao mesmo tempo, ajudar a equilibrar economias e sociedades que, após três décadas de hiper-globalização, estão seriamente desequilibradas", disse o ex-observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas em Genebra.
"New Deal" é a fórmula que evoca as políticas econômicas adotadas pelo presidente Franklin Delano Roosevelt e que se inspiram no economista John Maynard Keynes, para tirar os Estados Unidos da crise econômica que começou com o “crack” de Wall Street em 1929.
"Nós devemos parar de ir por esse caminho, mudar de rota e procurar, através da construção de infraestruturas públicas e investimentos públicos por parte dos governos, criar empregos, porque mediante a criação de novos postos de trabalho a economia começa a sair da letargia em que se encontra. Para superar as consequências da crise econômica global de 2008-2009, esta nova sensibilidade poderia ser o caminho apropriado para encontrar uma solução", disse Tomasi. "Não é tarefa do Santo Padre sugerir modelos econômicos operacionais, mas dar uma visão de onde devemos chegar com o uso da economia, respeitando a dignidade e a participação de cada pessoa na vida social".
Especificamente, lembrou, "hoje, muitas pessoas em muitos lugares fazem parte de uma economia mundial que produz resultados injustos e iníquos. As crises econômicas e financeiras, como a de 2008-2009, são apenas as manifestações mais visíveis de uma economia mundial que se tornou mais desequilibrada e que não só exclui, mas também desestabiliza e é perigosa para a saúde social e ambiental do planeta. Mesmo quando um país conseguiu crescer, graças ao consumo doméstico, a um ‘boom’ na habitação ou às exportações, o lucro aumentou desproporcionalmente os privilégios de alguns. Tudo isso – destacou o religioso – mostrou-se ser um terreno econômico fértil para a retórica xenófoba por políticas internas".
O problema, portanto, não está apenas no comércio ou na tecnologia em si mesmos. "A crise de 2008-2009 é o resultado de uma combinação de fracassos éticos e técnicos. Ela mostrou que, para mitigar os riscos do sistema, são necessários tanto a disciplina externa dos mercados como a lei, como a estatura moral e a auto-limitação (“selfrestraint”) dos atores. Nos anos anteriores à crise, os dois elementos simplesmente faltavam”. Por isso, “são necessários tanto um forte despertar moral, como uma reflexão global sobre o ambiente de regulação que permitam ao planeta se desenvolver no longo prazo".
O relatório da UNCTAD "estimula a passagem de uma sociedade centrada nas coisas, ou melhor, de uma sociedade orientada para o lucro, para uma sociedade centrada nas pessoas, em sintonia com o Ensino Social da Igreja católica". E, de acordo com o arcebispo, seria necessário lançar “um ‘new deal’ global e uma implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, além de abandonar "as políticas de austeridade, uma vez que tais políticas impedem a inclusão e aumentam as desigualdades penalizando os pobres".
O religioso deu o exemplo da África: "Os baixos preços do petróleo e o fim do ‘boom’ das commodities, especialmente em 2014, afetaram a região africana. A situação difícil em muitos países é devida, como explica o relatório, à permanente incapacidade de alcançar o crescimento através da diversificação: a maioria dos países continua a depender fortemente de uma ou pouquíssimas matérias-primas. A instabilidade econômica das regiões africanas é a principal razão para os fluxos migratórios em massa que a Europa viu nos últimos dois anos e que, infelizmente, causaram muitas mortes, sofrimento para os migrantes e suas famílias e ofensas contra a dignidade humana", enfatizou Tomasi.
Nos intervalos do evento, o religioso respondeu àqueles que perguntaram (em relação às últimas declarações do Papa Francisco sobre os migrantes, quando conversou com os jornalistas que o acompanharam durante o voo de volta da Colômbia) se a Santa Sé tinha mudado de linha: "A preocupação do Papa Francisco é criar uma sociedade que seja inclusiva e que não exclua categorias ou grupos de pessoas. A sensibilidade demonstrada pelas migrações está dentro deste quadro geral que não se limita aos migrantes, nem àqueles que pedem asilo, mas abrange toda a população de uma sociedade. Então, devemos interpretar e enquadrar as afirmações do Santo Padre neste amplo contexto da Doutrina Social da Igreja, dentro da qual ele se move constantemente".
Ele também fez referência à situação vivida na Itália em relação à acolhida dos migrantes e das políticas europeias para enfrentar o fenômeno: "É necessário ver, no interesse da Itália e da população italiana, o melhor caminho a seguir para incorporar os migrantes que decidiram ficar aqui, investir aqui no futuro, e fazer que participem plenamente da vida social". No entanto, "instrumentalizar os migrantes para fins políticos imediatos parece-me pouco sábio; devemos proteger a todos, cidadãos italianos e essas pessoas que pedem asilo político, porque elas têm motivações sérias, e a obrigação internacional de aceitar as pessoas que pedem asilo está muito bem definida".
O cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, mas que se encontra ocupado nestes dias justamente em Genebra, enviou uma vídeo-mensagem de saudação ao evento. Participaram também da mesa redonda realizada na Rádio Vaticano – moderada por Flamina Giovanelli, subsecretária do mesmo dicastério –, Stephanie Blankenburg e Piergiuseppe Fortunato, respectivamente responsável e membro da Development Finance Branch da UNCTAD.
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"É preciso mudar a rota. Chega de austeridade; é hora de um 'New Deal'", defende o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU