15 Fevereiro 2017
Quando cerca de 30 bispos irlandeses encontraram o Papa Francisco em janeiro em Roma, na primeira visita ad limina em 10 anos, o presidente da Conferência Episcopal Irlandesa aproveitou a oportunidade para renovar o seu convite ao papa para visitar a Irlanda durante o Encontro Mundial das Famílias, em agosto de 2018.
"Prometemos, como se diz na Irlanda, 'céad míle fáilte' - 100.000 boas-vindas!", garantiu o Arcebispo Dom Eamon Martin.
Por mais que Martin saiba que a Igreja irlandesa pode ter um público de 100 mil a uma visita papal, não há como garantir nada além disso, devido ao fluxo do catolicismo irlandês hoje.
A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por National Catholic Reporter, 13-02- 2017. A tradução é de Luísa Somavilla Flores.
"Tanta coisa mudou para a Igreja e a sociedade na Irlanda" desde a última visita ad limina de Bento XVI com os bispos irlandeses, em 2006, reconheceu Martin em seu discurso a Francisco, no Vaticano, em 20 de janeiro. Por mais que a pastoral do matrimônio e da família continue sendo prioridade, ele destacou, o fato é que a Irlanda sofreu uma espécie de terremoto social e sexual nas últimas duas décadas, culminando no referendo de 2015 que redefiniu o casamento. Antigo pilar da Igreja Católica, a Irlanda foi o primeiro país do mundo a legalizar o casamento homossexual por voto popular.
O atraso na visita ad limina, sem dúvida, está relacionado a tudo o que está acontecendo na Irlanda, incluindo uma série de denúncias de abuso clerical, uma briga entre Igreja e Estado que culminou no fechamento da embaixada irlandesa no Vaticano em 2011 (e sua reabertura como uma missão menor em 2014) e a introdução de um conjunto de medidas "progressistas", incluindo a primeira legalização do aborto.
Na reunião com Francisco, que durou duas horas, os bispos irlandeses expressaram "séria preocupação" sobre o "declínio acentuado na prática da fé" e da queda brusca de vocações religiosas. Em paralelo, há a frustração das mulheres, a espinha dorsal da Igreja irlandesa, quanto ao seu lugar inferior e à raiva visceral de muitos sobre os escândalos de abuso clerical.
O teólogo Padre Gerry O'Hanlon, resumiu, em um artigo para La Civiltà Cattolica, o desafio da Igreja irlandesa de tentar voltar a despertar a necessidade de salvação e da Boa Nova em uma realidade cultural onde Deus está cada vez mais "ausente, sem que as pessoas sintam sua falta". De acordo com o jesuíta, a cultura irlandesa "às vezes é indiferente e hostil ao cristianismo e, em particular, à instituição da Igreja Católica".
Depois do encontro com Francisco, o arcebispo Diarmuid Martin, de Dublin, e o Bispo Fintan Monahan, de Killaloe, recordaram a comparação de Francisco do papel do bispo ao de goleiro, que deve estar sempre pronto para lidar com desafios de onde quer que venham.
Francisco iniciou o encontro com os religiosos irlandeses passando a palavra para eles, dizendo que não tinha pauta pré-determinada, mas gostaria de ouvir e aprender sobre a Igreja irlandesa.
"Ele insistiu que não estava ali para falar e que os nossos comentários e críticas seriam bem-vindos também", disse Monahan.
Monahan, o mais jovem de uma coorte de novas nomeações episcopais pelo Núncio Apostólico Dom Charles Brown desde a sua nomeação por Bento XVI em 2011, recordou que em sua "conversa" com Francisco, a delegação irlandesa discutiu "as circunstâncias difíceis de muitos clérigos na Irlanda, sua crescente carga de trabalho e pressão devido à redução no número de sacerdotes".
Em sua fala ao Papa, Eamon Martin declarou que o "bem-estar dos nossos padres" é "caro a todos nós, bispos".
"Estamos cientes da redução do número de padres, do aumento da sua carga de trabalho e das situações pastorais cada vez mais desafiadoras, que têm causado forte impacto sobre eles", disse ele. "Agradecemos a Deus hoje por sua resiliência, dedicação e generosidade e pela bondade e apoio dos fiéis."
O Papa insistiou que a relação do bispo com os seus sacerdotes deve ser de "proximidade", como a de um pai com um filho. Talvez seja uma pista de Francisco de que as relações estremecidas entre bispos e muitos padres na Irlanda precisam ser curadas para que a Igreja se renove.
Mas enquanto Francisco dizia aos bispos que queria ouvir os seus problemas e críticas, a Associação de Padres Católicos, na Irlanda, que conta com mais de 1.000 padres, divulgou um comunicado em que se dizia "decepcionada, frustrada e irritada" que, após seis anos tentando envolver os bispos em uma "consideração respeitosa e mútua das questões centrais para a saúde e o bem-estar da Igreja Católica irlandesa", eles haviam "cortado as possibilidades de qualquer compromisso futuro com a Associação".
A associação pontuou que, em carta endereçada a ela pelos bispos em outubro do ano passado, eles disseram estar "comprometidos em trabalhar com os padres em todos os níveis". Mas esta afirmação foi rejeitada pela associação, que disse que ficou "muito claro" que os bispos estão "buscando substituir canais mais favoráveis e menos diretos de comunicação com os padres" - uma referência à sua preferência de trabalhar com os padres em conselhos nas dioceses, e não através da associação.
Atacando a "tentativa de escantear a nossa influência e a diminuir nosso papel" por parte da hierarquia irlandesa, a associação considerou "injusto e irresponsável, na conjuntura atual, silenciar a voz de uma associação que representa mais de um terço dos padres irlandeses, preparados para elencar verdades importantes e difíceis em um momento crítico para a Igreja da Irlanda".
Os sacerdotes devem ter contrastado seu tratamento pelos bispos com a atitude mais aberta de Francisco de ouvir verdades desagradáveis e críticas em Roma.
Lá, Eamon Martin procurou destacar os pontos fortes de renovação que ele havia percebido na Igreja irlandesa, o que fez com que a Associação acusasse os bispos de apresentarem "um cenário digno de relações públicas sobre a condição da Igreja irlandesa, em vez de uma apresentação verdadeira de nossas dificuldades".
Na discussão sobre a questão dos jovens, o Papa sublinhou a importância de ouvi-los cuidadosamente. Ele encorajou os bispos a adotarem o que ele chamou de "apostolado do ouvido" e estar constantemente disponíveis para ouvir e incentivar os jovens e mantê-los bem em diferentes aspectos da prática da fé.
Talvez este "apostolado do ouvido" seja o que a Igreja irlandesa precisa para fluir a comunicação de todos os lados. "A crise é tão grave que precisamos a atenção e o empenho de todos", escreveu O'Hanlon. "Precisamos nos unir para utilizar todos os recursos disponíveis - clérigos e leigos - e encontrar um caminho."
Em seu artigo para a La Civilta Cattolica, O'Hanlon, um ex-provincial dos jesuítas da Irlanda, sugeriu que considerando a "atitude quase histericamente agressiva para com a Igreja", onde a reputação e autoridades episcopais e eclesiais foram seriamente prejudicadas entre uma grande parcela da população pelas revelações de vários escândalos de abusos clericais, o catolicismo irlandês corre o risco de se tornar um catolicismo cultural, desprovido de convicção pessoal. A participação na missa caiu de 91 por cento em 1971 para 35 por cento em 2012. Os bispos admitiram, em sua resposta ao Sínodo dos Bispos sobre o questionário da família, que um número crescente de fiéis tem dificuldade com os dogmas católicos em áreas de sexualidade e gênero.
O'Hanlon pediu um sínodo da Igreja em todos os níveis - papado exercido em colegialidade com colegas bispos, comissões de diocese, conselhos e sínodos regulares que representem todos os batizados e paróquias com comissões representativas. A experiência do sínodo diocesano em Limerick indicaria que essa abertura ajuda a reconstruir a confiança e o entusiasmo entre os fiéis.
Uma das primeiras indicações de que os bispos podem estar começando a mudar veio no dia 2 de fevereiro, quando Diarmuid Martin disse à Rádio RTE que a questão dos seis padres irlandeses censurados pelo Vaticano tinha sido levantada na visita ad limina. O arcebispo também falou de maneira contundente sobre a importância de a igreja ser mais inclusiva em relação às mulheres e admitiu que na Irlanda a Igreja "até muito recentemente" foi "muito clerical" e que está deixando isto para trás "muito lentamente".
Os bispos irlandeses encontrarão Francisco novamente na Irlanda em agosto de 2018 para o Encontro Mundial das Famílias, a primeira visita papal desde que o Papa João Paulo II visitou o pequeno país em 1979. Que tipo de igreja será e como receberá o Papa Francisco vai depender da liderança dos bispos.
A igreja irlandesa precisa "desesperadamente" de "líderes carismáticos e não temos nenhum - nenhum bispo se destaca, nenhum bispo representa uma figura como a de Francisco", censurou o Padre Redentorista Tony Flannery, em entrevista à Rádio RTE no dia 19 de janeiro. "Estou falando de alguém que tenha calor e emane esse calor para as pessoas... que seja uma pessoa acolhedora e aberta. Precisamos urgentemente de pessoas assim para levantar o espírito da Igreja irlandesa."
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Bispos irlandeses discutem declínio nas práticas religiosas em visita 'ad limina' com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU