18 Agosto 2021
"Assim, David, herói dos judeus, tornou-se o símbolo de uma esperança de revanche dos últimos que pertence a todos os povos. Até mesmo aos descendentes de Golias", escreve Gad Lerner, jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 17-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O vencedor do desafio mais famoso de todos os tempos, Davi, o “Eleito do Senhor”, era o caçula de oito irmãos. Na família suspeitava-se que ele tivesse nascido da relação de seu pai Jessé com uma escrava e por isso foi relegado a ser pastor na solidão. Ao cuidar de seu rebanho de ovelhas, o pequeno Davi aprendeu a gentileza e a coragem que o tornariam um grande rei. No deserto, aprendeu a tocar harpa e a compor versos. Ele testou sua força física matando quatro leões e três ursos com as próprias mãos.
Foi o profeta Samuel quem indicou o humilde pastor como ungido pelo Senhor. As gotas de óleo sagrado que derramou sobre ele se transformaram em diamantes e pérolas, de acordo com um dos muitos relatos fantásticos que floresceram ao longo dos séculos sobre ele. Os judeus sempre gostaram de pensar que seu primeiro verdadeiro rei, aquele que colocaria sua capital em Jerusalém, não fosse um nobre de elevada estirpe, não um guerreiro, mas um simples filho do povo. Em sua transformação de pastor em rei, eles vislumbraram a possibilidade concreta de redenção; e de fato ainda hoje costumam definir o Messias, cujo advento eles aguardam com esperança, como o Filho de Davi.
É no Primeiro Livro de Samuel, no final de 1000 a.C, que o mais desigual dos desafios entre o pastor Davi, equipado apenas com uma funda, e o terrível guerreiro Golias, de seis côvados e um palmo (quase três metros) de altura, coberto por uma armadura sólida e perneiras de bronze, armado com lança, espada e dardo.
Golias era o soldado mais forte do exército de Gate, rei dos filisteus que haviam capturado a Arca da Aliança, onde as Tábuas da Lei entregues a Moisés no Sinai eram guardadas. Em vão as tropas de Saul, rei dos israelitas do Norte, tentaram recuperá-las. Durante quarenta dias, Golias avançou, no vale do Terebinto: "Eu desafio agora o exército israelita. Mandem alguém para lutar comigo!" O resultado daquele duelo decidiria o destino dos dois povos, israelitas e filisteus. Os derrotados seriam submetidos à escravidão.
Davi havia sido enviado por seu pai ao acampamento dos israelitas apenas para fornecer dez pedaços de queijo. Quando ele se ofereceu para enfrentar o gigante, Eliabe, seu irmão mais velho, zombou de sua pretensão. Mas Davi conseguiu falar com o Rei Saul e para convencê-lo a levá-lo a sério, ele lhe contou sobre os leões e ursos que matara, salvando as ovelhas de suas mandíbulas: “Este filisteu fará o mesmo, pois ousou desafiar os exércitos do Deus vivo”.
Saul forneceu a Davi armadura, capacete e espada. Mas o pastor, depois de colocar a armadura, livrou-se dela: "Nunca poderei andar com tudo isso porque não estou acostumado". Ele escolheu cuidadosamente cinco pedras bem polidas, colocou-as no alforje e segurou sua funda.
O resto é história conhecida. O gigante Golias caçoou daquele rapaz "bonito e de boa aparência ". Ele trovejou que daria seu corpo às aves e aos animais depois de matá-lo. Mas foi então que, agarrado à funda, Davi atirou em Golias uma pedra que afundou entre os olhos do gigante, que desabou ante o assombro geral. Lançando-se sobre o esfalecido Golias, Davi tirou a espada da bainha e cortou sua cabeça. Naquele instante, os filisteus fugiram.
"David", de Gian Lorenzo Bernini. (Foto: Dennis Heller | Flickr CC)
Ao longo dos séculos, os judeus inventaram as mais diversas formas para explicar o incrível resultado do duelo. Numa narrativa consta que, quando Golias ameaçou deixar o cadáver de Davi para as aves de rapina, ele tivesse levantado por um instante a viseira de seu capacete e dirigido o olhar para o céu. Nesse exato momento, a pedra atirada por Davi o atingiu no único ponto exposto. Depois disso um anjo fez Golias cair com a cara no chão, de modo que a boca que havia blasfemado contra o Senhor se enchesse de terra.
Quantas vezes sonhamos com essa cena quando crianças, e quantos pintores retrataram o pequeno Davi no ato de erguer a cabeça decepada do gigante. A vitória de Davi sobre Golias sempre representou, no imaginário dos fracos, dos humildes, dos frágeis, a esperança de revanche sobre os mais fortes.
Davi se tornaria o governante unificador das tribos de Israel, mesmo que suas humanas imperfeições o impediriam - alma sensível e atormentada - de construir o Templo de Jerusalém. Uma tarefa que caberia a seu filho Salomão.
Em tempos recentes, encontramos nas mãos de jovens palestinos aquele instrumento rudimentar, a funda, com a qual Davi levou a melhor sobre Golias. As pedras são atiradas contra as tropas de ocupação israelenses em cujo uniforme aparece a Estrela de Davi. Por uma ironia do destino, o próprio nome dos palestinos deriva dos filisteus; mesmo que eles prefiram reivindicar uma origem cananeia para sancionar uma presença na terra disputada como anterior àquela hebraica.
Assim, David, herói dos judeus, tornou-se o símbolo de uma esperança de revanche dos últimos que pertence a todos os povos. Até mesmo aos descendentes de Golias.
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Aquele Davi que está em nós. Como na vida se derrota Golias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU