29 Julho 2021
“Os gigantes digitais colocaram o Estado diante de um abismo: não só representam centros de acumulação a uma velocidade inédita, mas condensam o general intellect do privado em todas as suas esferas”, escreve Ilán Semo, professor do Departamento de História da Universidade Ibero-Americana, no México, em artigo publicado por La Jornada, 24-07-2021. A tradução é do Cepat.
Em fevereiro, Janet Yellen, secretária do Tesouro dos Estados Unidos, anunciou a seus parceiros do G-20 a decisão de cancelar a previsão de Porto Seguro que, desde 2019, amparava os gigantes digitais (Amazon, Google, Facebook, Apple...) para faturar e fazer transações financeiras em paraísos fiscais. Em outras palavras: evadir quantidades monumentais de impostos.
Desde fins dos anos 1990, o caráter supraterritorial da rede permitiu às indústrias do Big Data estabelecer livremente suas sedes fiscais em países que as exoneravam de obrigações frente ao fisco. Pelo que parece, a pandemia e a conseguinte hiperdigitalização da vida cotidiana levaram a situação ao limite. Apenas entre 2019 e 2021, seu índice de concentração de capital aumentou 14%, uma porcentagem inimaginável.
Nos últimos dois meses, a posição de Washington se radicalizou ainda mais. Inicialmente, pensava-se em um imposto de 15%, agora o valor subiu para 20%. E os ministros do G-20 parecem concordar. Trata-se de uma medida realmente inesperada, inclusive incomum.
Para se ter uma ideia das receitas que isso representa, na França, calculou-se que poderiam chegar a 2% o PIB geral! De alguma maneira, tudo isso lembra a demanda do Foro de São Paulo e da ATTAC dos movimentos antiglobalização, dos anos 1990, de impor impostos globais para compensar a transferência sistemática de capitais, só que agora como reivindicação do Departamento do Tesouro!
O que levou os Estados dos países centrais a adotar um giro repentino de 180 graus em relação ao próprio coração do processo de globalização, ou seja, as indústrias do mundo ciber? Depois desse imposto global, virão outros, como, por exemplo, a esquecida Tobin Tax, concebida para regulamentar as transações financeiras e dificultar a passagem aos investimentos danosos? Por certo, uma das propostas centrais de Thomas Piketty para redistribuir a riqueza em nível mundial.
Talvez fosse o caso recordar a sentença de Blanqui, diante do colapso que desembocou nas rebeliões (e revoluções) de 1848: “Não há um termômetro mais preciso de uma crise de Estado do que o momento de desespero para obter impostos a qualquer preço”. As coisas hoje, é claro, são muito diferentes, embora exista algo de verdade nesse axioma. Talvez não tenhamos percebido que sob a paralisação da maquinaria social e econômica provocada pela pandemia se alastrou uma severa “crise de Estado”.
1. Seja porque gastaram seu superávit ou suas dívidas aumentaram, os Estados nacionais se aproximam, como alertou Angela Merkel, no mês passado, de um “ponto de inação”. São eles que assumem o desafio de manter o gasto social para sustentar suas sociedades à deriva. Mas tudo tem limites. O imposto digital contém a mensagem de que agora também cabe ao capital colocar a sua cota.
2. Os gigantes digitais colocaram o Estado diante de um abismo: não só representam centros de acumulação a uma velocidade inédita, mas condensam o general intellect do privado em todas as suas esferas, ou seja, com a produção de um contrassenso na esfera do público, que é a política. Entre a verdade fake e a política fake, a distância é cada vez mais curta.
Não é improvável que em determinado momento o Estado considere a rede e seus agentes como hoje entende as rodovias, as escolas e a saúde pública. Simplesmente, outra parte de sua esfera. No Uruguai, por exemplo, todos agradecem à presidência de Pepe Mujica pela gratuidade de um eficiente wi-fi.
3. Que parte dos 60 milhões de desempregados (no mundo central) gerados durante a crise da pandemia não são, antes, o resultado da digitalização selvagem da vida cotidiana? O que não fica claro na proposta do G-20 é o destino do “imposto digital”. Também pode ser empregado para pagar as dívidas nacionais e retirar o banco de seu atual estado de inanição, o que não aliviaria nada.
Por quanto tempo será possível utilizar a ameaça da pandemia para desmobilizar protestos (como Black Lives Matter, nos Estados Unidos), rebeliões (como no Chile) ou insurreições (como na Colômbia)? Por enquanto, a China, com sua habitual verticalidade, já adotou precauções: o imposto a seus gigantes digitais é de 20% e estão proibidos de atuar nas áreas do pequeno e o médio comércio, favorecer a privatização da educação e reduzir os salários de seus empregados ad absurdum.
4. A Alemanha optou por outro caminho. Criar suas próprias indústrias digitais sob um “espírito social”. Precisam entregar uma parte de seus lucros para melhorar a ecologia, a saúde e a educação. Uma estranha conjunção entre capitalismo e anticoncentração de renda.
E, no entanto, nada disso consegue afugentar as más notícias em Wall Street, que há uma semana acendeu as luzes vermelhas, pela primeira vez, nos últimos cinco anos.
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O ciberabismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU