"As plataformas digitais desempenharam um papel preponderante em toda a fase pandêmica: para a escola, trabalho, informação e tempo livre. Foi apenas uma overdose, uma intoxicação da qual devemos nos desintoxicar? Ou surgiram práticas que podem lançar uma nova luz sobre a nossa relação com um mundo cada vez mais digitalizado? E o vínculo entre as gerações, que em muitos casos se fortaleceu para enfrentar a emergência, pode receber um novo impulso com a experiência adquirida neste ano e meio, também graças à nova consciência das potencialidades do digital que são tudo menos "virtuais"?, questionam Chiara Giaccardi, socióloga italiana, professora da Universidade Católica de Milão e especialista em mídias digitais, e Sara Sampietro, em artigo[1] publicado por Avvenire, 15-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A segunda onda de COVID 19 finalmente parece estar em recesso, mas os efeitos psicossociais da pandemia ainda precisam ser avaliados. Se a geração dos idosos foi afetada de forma mais dramática, e a mais vulnerável aos efeitos potencialmente letais do vírus, e se os adultos tentaram se reinventar, especialmente no âmbito do trabalho, nos jovens e especialmente nas crianças, o impacto ainda precisa totalmente ser verificado.
As plataformas digitais desempenharam um papel preponderante em toda a fase pandêmica: para a escola, trabalho, informação e tempo livre. Foi apenas uma overdose, uma intoxicação da qual devemos nos desintoxicar? Ou surgiram práticas que podem lançar uma nova luz sobre a nossa relação com um mundo cada vez mais digitalizado? E o vínculo entre as gerações, que em muitos casos se fortaleceu para enfrentar a emergência, pode receber um novo impulso com a experiência adquirida neste ano e meio, também graças à nova consciência das potencialidades do digital que são tudo menos "virtuais"? Se, como argumentava Bernard Stiegler, é a educação que faz as gerações (que não são pura sucessão cronológica entre ascendentes e descendentes, mas transmissão de conhecimentos, experiências e saberes), talvez possamos vislumbrar uma nova aliança possível, a partir de uma reciprocidade, onde até os pequenos têm algo a ensinar aos adultos.
Otimistas, inclusivos, curiosos e verdes: essas são as características dos jovens da geração Alfa (nascidos a partir de 2010) que apareceram no "Gen Alpha Docet", o estudo aprofundado dedicado às repercussões da pandemia entre os menores que se insere na Opinion Leader 4 Future, um programa de pesquisa trienal da Alta Scuola em Mídia, Comunicação e Entretenimento (Almed) da Universidade Católica, em colaboração com Relações com as Mídia Relation do Credem Banco. A pesquisa foi realizada pela Tips Ricerche em uma amostra de 600 crianças entre 5 e 11 anos de todo o território italiano, por meio de grupos de discussão e entrevistas.
Mostra-se que é possível “adotar” as potencialidades do desenvolvimento digital em contextos relacionais afetivamente densos e calorosos. Dobrando-o a objetivos relacionais em vez de se deixar instrumentalizar por ele.
A partir da pesquisa constatou-se que do ponto de vista midiático as crianças apresentam grande flexibilidade e capacidade de utilizar diferentes plataformas e diferentes linguagens (entre os dispositivos mais utilizados se destacam as smart TVs, citadas por 51%, smartphones 35% e tablets 29%). Em termos de temas, os Alfa são atraídos pela natureza, pela ciência e pelo futuro (empenho e responsabilidade com o meio ambiente são relevantes para 71% do maior segmento do target). Eles buscam ativamente informações sobre seus interesses e seus personagens favoritos, usando motores de busca e especialmente o YouTube (essencial para 45% de 8-10) e interagindo em plataformas sociais como TikTok (aumentou de 2019 de 13% para 35%) e Twitch ( + 7%).
A pandemia desmontou as rotinas dos Alfa. Eles conheceram a dúvida e a incerteza. Eles viram seus pais sob pressão. Eles temeram pela saúde de seus avós (a ponto de muitos rebatizarem a Covid como "a gripe dos avós"). Suas relações sociais diminuíram: se encontraram pouco com os amigos, frequentaram à escola de forma intermitente e tiveram que abandonar os esportes e atividades fora de casa.
Porém, também houve muitos aspectos positivos, inclusive a possibilidade de passar mais tempo com os familiares, muitas vezes redescobrindo-os: "Meu pai faz rir, ele é legal mesmo quando está em uma reunião de trabalho, eu o ouvia sempre", conta Roberta, 9 anos.
Aos poucos, foram se acostumando a um cotidiano mais tranquilo, pontuado por ritmos lentos e livre de programação. Aprenderam novas habilidades ligadas à vida doméstica (por exemplo, cozinhar e cuidar do jardim). Se durante o primeiro lockdown a resiliência e o otimismo parecia ter prevalecido, especialmente no período de verão, a segunda onda proporcionou uma sensação de déjà-vu e cansaço, mas também abriu as condições para uma nova esperança. É verdade que se adicionou ao cansaço causado pela emergência prolongada de uma espécie de saturação das informações, às vezes percebida como ansiógena e contraditória. De modo geral, porém, as informações os ajudaram a entender a situação, a se preparar, mas também a se sentir parte de uma comunidade pronta para enfrentar o problema.
Para entender o que estava acontecendo, eles escolheram a família como seu primeiro "filtro", ao mesmo tempo em que desenvolviam um senso crítico e uma atitude "ativa" em relação à TV e às redes sociais. Tiveram, assim, oportunidade de ter contato com temáticas novas para eles, como a política, da qual começaram a internalizar os rostos e as lógicas.
Margherita, de 8 anos, conta: “Tinha o Conte (foi, durante a primeira onda da pandemia o primeiro-ministro italiano) como chefe, depois brigaram e votaram novamente ... Eu vi na TV quando eles votaram novamente”.
Mostraram também uma forte vontade de participar, o que resultou num interesse cada vez mais constante pelas questões ambientais, mas também na ativação a favor da reabertura das escolas. Eles entraram em campo. Como Anita, a jovem de 12 anos de Turim, líder do movimento “School for future”.
Muitos são os ensinamentos que as gerações mais adultas podem aprender dos mais novos sobre os meios de comunicação: não ceder ao tédio, à repetição e ao hábito; permanecer curiosos e abertos, descobrindo continuamente novas possibilidades; cultivar uma atitude casual mas também proativa em relação às inovações tecnológicas (para 36% estar tecnologicamente equipados e competentes é uma prioridade) e preferir conteúdos capazes de contar de forma original e fiel a complexidade do quotidiano, para além dos clichês e estereótipos.
Eles encontram as informações nos motores de busca, no YouTube e interagindo com plataformas sociais como TikTok e Twitch, mas também conversando em família sobre aquilo que a mídia propõe e desfrutando do prazer dos consumos midiais compartilhados, construindo juntos aquela que Roger Silverstone chamava de uma “economia moral” capaz de filtrar de forma crítica e construtiva as tantas vozes que lotam o cenário midiático de uma forma muitas vezes cacofônica. Vittorio, de 10 anos, explica isso muito bem: "Já fazia um tempo que não víamos TV juntos, porque à noite meus pais tinham tantas coisas para fazer, mas quando estávamos em casa fizemos isso muitas vezes ... foi bom ficar todos juntos, no sofá e falar sobre as coisas!".
Questionamo-nos, justamente, se a sociedade digital não afrouxará cada vez mais os laços entre as gerações. Um resultado que não parece remoto, se nos limitarmos a “adaptar-nos” a um contexto cada vez mais marcado por lógicas tecnocráticas e de mercado. Mas isso não impede de agir diversamente, e de “adotar” as potencialidades oferecidas pelo desenvolvimento tecnológico, com todas as ambivalências que o caracterizam, dentro de contextos relacionais afetivamente calorosos e intertemporalmente densos. Dobrando-o, portanto, para os fins relacionais, em vez de deixar colonizar as relações por lógicas que as instrumentalizam e as fragmentam. Na era digital, uma nova aliança entre as gerações, cada vez mais necessária, também pode passar por aqui.
[1] Pesquisa da Alta Scuola em Mídia, Comunicação e Entretenimento da Universidade Católica de Milão sobre 600 crianças de 5 a 11 anos.