15 Março 2021
Marcado por uma pandemia global sem precedentes, o ano de 2020 viu o panorama político e econômico internacional virar de cabeça para baixo pela multiplicação de crises interligadas: econômica, ecológica, democrática... Diante de um futuro cada vez mais incerto, pesquisadores procuram antecipar rupturas futuras para se proteger contra as mais ameaçadoras e favorecer as mais desejáveis. Esse é o objetivo do Rapport Vigie 2020, publicado pelo centro de reflexão prospectivo Futuribles International. Entre transformações no meio ambiente, mudança nas relações de força entre potências e o peso crescente das religiões, 16 cenários de rupturas são explorados para os próximos 30 anos.
A reportagem é de Raphaël Dahl, publicada por Mr Mondialisation, 10-03-2021. A tradução é de André Langer.
Mais de um ano após o surgimento da Covid-19, as consequências sociais e econômicas deletérias da pandemia e de sua gestão pelas autoridades estão consubstanciadas no cansaço generalizado que se apodera de uma população cada vez mais afetada pelas medidas liberticidas. Embora nossa relação com os ecossistemas naturais, na origem da pandemia, raramente é questionada, alguns cientistas dizem que mais crises estão previstas. Quais são as rupturas que aguardam o mundo nas próximas décadas? Podemos trabalhar para encorajá-las, restringi-las, influenciá-las? Que oportunidades trazem e que ameaças representam? Estas são as perguntas, e muitas outras, que o centro de reflexão prospectivo Futuribles International tentou responder.
A associação é um espaço de reflexão e discussão sobre o futuro, cujos trabalhos visam compreender e antecipar as grandes transformações do mundo. As suas atividades visam também disseminar práticas envolvendo diferentes atores na construção do futuro e alimentar o debate público, especialmente através da revista Futuribles, publicada desde 1975. As 278 páginas do Relatório Vigia 2020 oferecem, assim, vários cenários para o futuro, frutos de reflexões lideradas pela equipe do centro e enriquecidos pelas contribuições da rede de especialistas e membros da associação. Eles foram escritos independentemente um do outro por cerca de quinze autores e complementados pelos relatos de ficção científica de escritores como Catherine Dufour, Marc Atallah ou mesmo Ketty Steward, que abrem esse relatório ao imaginário.
O mapa assim elaborado fornece esboços da paisagem global para os próximos 30 anos, explorando possíveis rupturas profundas. Algumas são muito prováveis, como as inevitáveis modificações do ambiente ou as mudanças nas relações de força entre potências, outras menos, como o advento de uma ecologia de síntese baseada na bioengenharia, no peso crescente das religiões sobre a política, etc. “Percorridos todos juntos, [esses cenários] não moderam nem a complexidade nem a incerteza do mundo que está por vir, mas constituem uma cartografia do provável e do inaceitável, muito útil para ordenar nossas questões e nossas controvérsias”, explica Yannick Blanc, presidente da associação Futuribles International. Embora não pretendam ser previsões, esses cenários disruptivos visam informar nossa compreensão do mundo para que possamos imaginar o modelo que queremos seguir e nos preparar para ele hoje!
As projeções dos especialistas estão estruturadas em três grandes campos. O primeiro intitula-se “Habitar um planeta de recursos limitados e em rápida degradação”. A degradação do meio ambiente associada ao clima e ao declínio da biodiversidade, bem como às catástrofes que provocam, estão no cerne das questões aqui apresentadas. São consideradas as várias rupturas que a adaptação a mudanças irreversíveis pode entranhar, como a migração em massa e a conquista de novos territórios. Outros cenários envolvem a ruptura com as limitações físicas que o mundo enfrenta, como a miragem tecnológica da bioengenharia ou mesmo da conquista do espaço. No final, as rupturas exploradas neste campo foram agrupadas em torno de duas grandes trajetórias evolutivas: o desaparecimento progressivo ou repentino dos ecossistemas e a crescente influência das tecnologias nas sociedades.
Os vários especialistas do centro Futuribles International apresentam suas análises prospectivas em um relatório. (Fonte: mrmondialisation.org)
O setor estruturante da economia mundial é o objeto do segundo campo, com o título muito apropriado: “O capitalismo globalizado face aos seus limites”. Os especialistas observam que o choque da pandemia, em parte conjuntural, revelou disfunções e profundas divergências de visões de mundo. As hipóteses propostas exploram o questionamento da globalização do mercado, potencialmente caracterizada, por exemplo, pela ascensão dos comuns e pelo nascimento de cidades-regiões autônomas. Mas também está prevista a extensão da globalização, com uma reconfiguração do mercado de trabalho global via inteligência artificial, bem como as mudanças ligadas à crescente influência da China e à cisão da economia global entre duas zonas de livre comércio. As duas tendências em torno das quais essas rupturas se agrupam são, portanto, as da “globalização chinesa” e do “capitalismo globalizado face às novas lógicas econômicas”.
A gestão dessas questões globais (meio ambiente, migrações, saúde...) mudará inevitável e profundamente a política internacional. É o que explora o terceiro campo: “Geopolítica, governança e recomposição dos poderes”. Num contexto de erosão do multilateralismo e do surgimento ou fortalecimento de atores não estatais, abre-se um grande espaço para considerar novas situações de governança dessas questões em escala global e/ou local. O relatório esboça dois grandes desenvolvimentos contrastantes sobre este assunto. O primeiro é a progressiva estruturação do mundo em torno de blocos sólidos e concorrentes, colocando-nos em uma nova guerra fria. O segundo, ao contrário, evidencia o surgimento de coalizões de atores (Estados, organizações não governamentais, empresas, religiões, etc.) que se federam em torno de questões específicas e às vezes efêmeras.
Parte do mapeamento também oferece um panorama não exaustivo das rupturas que poderiam ocorrer em escalas regionais, mas com repercussões significativas em escala global, como a guerra do lítio ou alguns conflitos no Oriente Próximo e Médio. Esses minicenários acompanham hipóteses exploradas com mais profundidade, algumas das quais parecem plausíveis e outras improváveis, algumas desejáveis e outras inaceitáveis. Ao lado da inabitabilidade dos territórios, da proliferação das crises sanitárias globais e da banalização da vigilância em massa em nome do interesse geral, vislumbram-se rupturas mais otimistas, como o compromisso de alguns países desenvolvidos em trajetórias de sobriedade voluntária, que demonstram (por volta de 2050, portanto, infelizmente, tarde demais) que esse modelo é viável, ou a crescente importância dos bens comuns como alternativa ao mercado e ao Estado.
As rupturas apresentadas neste relatório, que estará disponível para compra a partir de 15 de março, têm como objetivo principal alertar as pessoas sobre domínios de grandes mudanças e que não são suficientemente levadas em consideração hoje. No entanto, a política no sentido nobre deve ser capaz de se projetar em visões de longo prazo a fim de garantir um futuro pacífico para as populações. “Em uma situação de crise, existe uma forte tentação para o tomador de decisão descartar as especulações sobre o futuro e se concentrar na cadeia de problemas a serem resolvidos. Mas quando a crise é global e sistêmica, cada elo da cadeia de decisões direciona imperceptivelmente as escolhas que afetam o futuro. Não é hora, portanto, de relaxar nossa vigilância voltada para o futuro. É para essa atenção renovada que o Relatório Vigia 2020 convida você”, declara Yannick Blanc. Esta análise evidencia, assim, mais uma vez o que muitas vezes falta aos políticos, uma visão de futuro, baseada numa compreensão esclarecida dos desafios globais que permita conter as dinâmicas nefastas e encorajar as transformações mais desejáveis.
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Relatório Vigia: 16 cenários de rupturas para os próximos 30 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU