18 Fevereiro 2021
“Convido os que estão muito incomodados com o Papa Francisco a fazerem um exercício de interioridade: sou um cristão morno de missa dominical, que tem uma Bíblia que acumula pó e uma catequese de criança? Incomoda-me que o Papa Francisco questione a idolatria do deus do dinheiro, do deus do prazer, do deus do poder e do deus do consumo, porque, no fundo, sinto-me confortável com esses desejos egoístas? Sou indiferente ao sofrimento de meus irmãos e irmãs e ao fato de que o governo encarregue-se da compaixão e do bem comum? Alguma vez me perguntei se estou fazendo a vontade de Deus tentando ser guiado pelo Espírito Santo ou sempre faço minha vontade?”, escreve Diego Passadore, engenheiro uruguaio, autor de livros sobre a fé católica, como “Amar hasta que Duela: correspondendo al amor de Díos Padre” (FVT, 2019), em artigo publicado por Religión Digital, 13-02-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Desde dentro da Igreja gerou-se uma forte oposição ao Papa Francisco. Parece que nestes quase oito anos essa oposição foi aumentando, com uma sensação de que não apenas “incomoda”, mas que o pontificado se tornou insuportável para alguns.
E há pouco li uma passagem na Bíblia, que me fez ver uma situação muito semelhante com Moisés e seus irmãos Aarão e Maria: “Maria e Aarão falaram contra Moisés, por causa da mulher cuchita que ele havia tomado como esposa. Eles disseram a Moisés: ‘Será que Javé falou somente a Moisés? Não falou também a nós?’. E Javé os ouviu. Moisés era o homem mais humilde entre todos os homens da terra.
De repente, Javé disse a Moisés, a Aarão e Maria: ‘Vão os três para a tenda da reunião’. Os três foram, e Javé desceu numa coluna de nuvem, colocou-se à entrada da tenda e chamou Aarão e Maria. Eles se aproximaram, e Javé disse: ‘Ouçam o que eu vou lhes dizer: quando entre vocês há um profeta, eu me apresento a ele em visão e falo com ele em sonhos. Não acontece assim com o meu servo Moisés, que é homem de confiança em toda a minha casa: com ele eu falo face a face, às claras e sem enigmas; e ele vê a figura de Javé. Por que vocês se atreveram a falar contra o meu servo Moisés?’” (Números 12, 1-8).
Este relato nos mostra quatro semelhanças com o caso do Papa Francisco e sua oposição: a primeira é que esta vem de dentro; a segunda é que se questiona a Moisés, o “não-ortodoxo”, por se casar com uma cuchita, segundo os cânones do povo judeu, e, hoje, Francisco faz coisas “não-ortodoxas” em relação aos últimos papados tradicionais; a terceira é a humildade: no caso de Moisés o texto declara (e em outras passagens, por exemplo, ele reconhece que não sabe falar), e no caso do Papa Francisco ficou claro logo ao mudar a residência papal do Palácio Apostólico à casa de hóspedes, e um sem-fim de coisas mais; a quarta é que Moisés deixa-se guiar pelo Espírito Santo e tem toda sua confiança, e o Papa Francisco foi eleito pelo Espírito Santo e como sucessor de Pedro é o fim e o fundamento perpétuo e visível de unidade, tanto dos bispos como da multidão de fiéis, assim como Pastor e Mestre Supremo.
Gostaria de relembrar a humildade de Pedro que, embora não apareça na Bíblia, é comentada nas visões da beata Ana Catarina Emmerich, quando Jesus comenta com Pedro e outros pescadores que iam deixar suas ocupações para segui-lo: “Pedro ajoelhou-se diante de Jesus, implorando-lhe para que refletisse sobre sua ignorância e fraqueza, e não insistisse em fazer algo tão importante com ele que fosse totalmente indigno e totalmente incapaz de instruir os outros”. E parece que a humildade é um fator comum entre Moisés, Pedro e o atual sucessor de Pedro, o Papa Francisco. E isso irrita aqueles que acreditam que um Papa deve se mostrar como um grande Rei, com toda a pompa e opulência.
Irrita que o Papa Francisco seja o bom pastor que não quer deixar ninguém de fora, que nos convida a ir às periferias, a ser vizinhos e a resgatar todas as ovelhas perdidas. Um Papa que se incomoda porque fez uma purificação dolorosa, dando à luz o que muitos queriam esconder porque ele tirou a “santidade”. São as mesmas pessoas que preferem caminhar por um museu de “santos” do que trabalhar em um hospital de campanha para pecadores.
E enquanto essa oposição quer gerar divisões (e esperamos que não leve a cismas), o Papa Francisco aposta na misericórdia, na reconciliação, na caridade, mantém e protege o sacrifício perpétuo, a dignidade de cada um como templo de Deus, e constrói pontes em busca da Unidade da raça humana, uma única família de irmãos.
Convido os que estão muito incomodados com o Papa Francisco a fazerem um exercício de interioridade: sou um cristão morno de missa dominical, que tem uma Bíblia que acumula pó e uma catequese de criança? Incomoda-me que o Papa Francisco questione a idolatria do deus do dinheiro, do deus do prazer, do deus do poder e do deus do consumo, porque, no fundo, sinto-me confortável com esses desejos egoístas? Sou indiferente ao sofrimento de meus irmãos e irmãs e ao fato de que o governo encarregue-se da compaixão e do bem comum? Alguma vez me perguntei se estou fazendo a vontade de Deus tentando ser guiado pelo Espírito Santo ou sempre faço minha vontade? Porque todos podemos sempre cair na tentação de confundir “a minha verdade” com a verdade aquela que todo Pontífice Romano defende e nos conduz no caminho certo. Todos nós podemos repetir o mesmo erro cometido pelos irmãos de Moisés.
Quando um novo presidente assume o cargo, ele deixa de ser candidato de um partido para se tornar presidente de todos. E o cardeal Bergoglio foi arcebispo de uma diocese do fim do mundo, até ser Papa. Agora ele é o Papa Francisco de todos: o bom pastor que temos nestes tempos, que nos alimenta, nos guia pelo caminho certo e nos protege do mal.
Para terminar, gostaria de voltar à passagem bíblica: “A ira de Javé se inflamou contra eles, e Javé se retirou. A nuvem se afastou da tenda, e a pele de Maria ficou toda esbranquiçada, como a neve. Ao voltar-se para ela, Aarão viu-a com a pele esbranquiçada.
Aarão disse a Moisés: ‘Por favor, meu senhor! Não peça contas da culpa pelos pecados que tivemos a loucura de cometer e da qual somos culpados. Não deixe que Maria permaneça como um aborto que já sai do ventre da mãe com a carne meio carcomida’. Moisés suplicou a Javé: ‘Por favor, concede-lhe a cura!’. Então Javé disse a Moisés: ‘Se o pai dela lhe tivesse cuspido na cara, ela ficaria difamada por sete dias. Pois então, que ela fique isolada por sete dias, fora do acampamento, e só depois seja admitida novamente’. Isolaram Maria durante sete dias fora do acampamento, e o povo não partiu antes que ela voltasse” (Números 12, 9-15). Nesta passagem é interessante ver Moisés interceder junto a Deus por sua irmã: ele não só a perdoa (como fez com Arão), mas ele quer o seu bem. Esse é um bom pastor.
Todo Papa, como bom pastor, nos protege do mal. E no caso do Papa Francisco esta passagem vem à mente: “O mistério da impiedade já está agindo. Falta apenas desaparecer aquele que o segura até agora. Só então se manifestará o ímpio. O Senhor Jesus o destruirá com o sopro de sua boca e o aniquilará com o esplendor da sua vinda” (2 Tes 2,7-8). Convido você a cuidar e rezar pelo Papa Francisco, como ele mesmo nos pede. Rezo todos os dias pelo Papa, pela unidade da Igreja, pela santificação dos sacerdotes e das vocações.
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“A humildade incomoda aqueles que creem que um papa deve se mostrar como um rei” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU