12 Mai 2020
"Brasileir@ adora um complexo de vira-lata, com apoio de marqueteir@s, publicitári@s, jornalistas, mídia, comércio... Agora estamos diante de uma novidade lida, ouvida e assistida quase que diariamente nos jornais, sites, rádios, televisões, que veio com a pandemia do coronavírus: lockdown", escreve Edelberto Behs, jornalista.
É uma imagem bizarra em manifestações de cunho nacionalista, promovidas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, circularem bandeiras dos Estados Unidos e de Israel. Tais flâmulas se destacam num mar de verde e amarelo. Podem sequer chamar a atenção de quem não se importou em ver o Messias bater continência para o pavilhão estadunidense.
Bandeiras forâneas em passeatas “pró-Brasil” ganham um sentido simbólico singular. Continuamos colonizados política e culturalmente, e isso desde a chegada dos europeu às terras de Pindorama. O colonizador já foi português, já foi holandês, já foi francês, já foi inglês, agora é estadunidense. E o pior, a gente nem se dá conta.
Lembro das matinés dominicais no Cine Guarani, em Estrela (RS), onde passei a infância, dos filmes com John Wayne liderando tropas de uniforme azul escuro, do exército da União dos Estados Unidos, combatendo nações indígenas como comanches, navajos, cherokees e outras, ou, melhor dizendo, invadindo terras ocupadas por esses povos desde tempos ancestrais.
E nós, meninada sem noção alguma do que estava por detrás de tais películas, batíamos com os pés no chão, fazendo torcida para os comandados de John Wayne dobrarem os guerreiros que lutavam de forma desigual, enfrentando soldados armados de fuzis com arcos e flechas. A colonização simbólica começava ali.
A colonização, sutil, também usou, por 27 anos ininterruptos, as ondas do rádio com o Repórter Esso, “a testemunha ocular da história”, segundo o seu “slogan”. O programa entrou no ar pela primeira vez em agosto de 1941, como uma iniciativa da política internacional estadunidense de cooperação internacional. Durante a Segunda Guerra Mundial, o material divulgado pelas rádios Nacional, do Rio de Janeiro, Record, de São Paulo, Farroupilha, de Porto Alegre, Rádio Clube de Recife e a Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, era redigido por agências noticiosas dos Estados Unidos. Tratava-se de informação dirigida, propaganda, pura, do Tio Sam!
Brasileir@ adora um complexo de vira-lata, com apoio de marqueteir@s, publicitári@s, jornalistas, mídia, comércio... Agora estamos diante de uma novidade lida, ouvida e assistida quase que diariamente nos jornais, sites, rádios, televisões, que veio com a pandemia do coronavírus: lockdown. Pelo contexto, inferi do que se tratava, mas fui me certificar em dicionários, e descobri que esse palavrão significa “confinamento”. Com o termo em inglês, talvez ele ganhe mais dramaticidade, tipo confinamento radical, clausura, isolamento. Tem até página na internet explicando do que se trata (para acessar clique aqui). Então, viralatíce total – lockdown!
Vejam: o aparelho televisão, segundo o IBGE, está presente em 97,2% dos lares brasileiros. Ou seja, tem uma abrangência quase que total neste vasto território. E o pessoal da Globo, da CNN, da Band, comenta, noticia, fala de lockdown, verbete naturalmente compreendido pelas rendeiras do Nordeste, pel@ indígena amazonense, pel@ gaúch@ dos pampas, pel@ quilombola... É um contrassenso total.
Façam as contas: quantas palavras vocês conhecem, já leram ou viram em anúncios na TV, em “outdoors” – painéis ao ar livre – que estão grifadas em inglês. Ir para um “shopping center” então – centro comercial está fora dos nossos dicionários! – @ cidad@o tem que levar consigo um amansa burro para entender toda aquela parafernália de chamadas: off, sale, store, shoe store, t-shirts, clothes, wear, pay, buy e por aí afora.
No “shopping center” vocês encontram ainda roupa “fashion” “on sale”, “notebook” em “show rooms”, computadores que facilitam o ingresso de “username” e “password” e que permitem o uso de até três “pen drives”, com uma entrada para “Dvd” e outra para “CD-Room”.
Saiam do centro comercial e dirijam-se à “street”. Vocês podem degustar um “milkshake” ou comer um “hamburger”, um “nutritive cheesburger”, um “hot-dog”, ir até um “fast food” ou frequentar um “self service”. Tomar uma guaraná “diet” ou “light” ou, se gostar de uma bebida alcoólica, pedir um “drink”. Se tiverem que mandar “e-mail” urgente para alguém dirijam-se a uma “lan house”.
Em casa, assistam o seu time jogar no domingo à tarde pelo “pay-per-view” ou curtam um “show de rock” para fugir do “stress” da semana, diante de uma TV que tenha “slow motion” com “zoom”. Para suprir a fome peçam comida por “delivery”.
E se depois de todo esse anglicanismo – isso se não surgirem novidades ainda no rastro do covid-19 – vocês não tiverem um “insight”, “deletem” o que leram e continuem torcendo para seu time de “handball”, de “volleyball” ou de “basketball” ser o “champion” em 2020.
Só para lembrar: na edição de 2001, o Dicionário Houaiss listou 400 mil palavras em português! Se nenhuma delas consegue abalar o nosso complexo de vira-latas, a única coisa que resta a dizer é: “Stop” (pra não dizer um palavrão em inglês, de uso abrangente por terras tupiniquins)!
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Idioma de Camões ganha mais um verbete, em inglês - Instituto Humanitas Unisinos - IHU