15 Abril 2020
Desde o dia 8 de março, quando a Conferência dos Bispos dos EUA anunciou a suspensão de todas as missas públicas de acordo com as medidas do governo para combater o coronavírus, o confinamento eclesiástico da Itália é o mais longo do mundo, e até hoje o apoio no nível das lideranças tem sido notavelmente homogêneo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 14-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No sábado, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, escreveu ao Avvenire, o jornal oficial dos bispos italianos, para agradecê-los pela cooperação.
“Acima de tudo, desejo expressar a minha gratidão por terem compreendido a dolorosa decisão de celebrar sine populo as liturgias, na consciência dos bens supremos envolvidos nesta difícil passagem da nossa história nacional”, escreveu Conte, ele próprio um católico cujo tio era frade capuchinho e assistente de São Padre Pio.
“A Igreja italiana demonstrou mais uma vez a sua natural vocação ao diálogo e à cooperação com as instituições civis, a sua capacidade de interpretar – com sabedoria e discernimento – os sinais dos tempos”, disse Conte.
No entanto, agora que a Itália começou a relaxar algumas das suas restrições, permitindo que livrarias, lojas de conveniência e lojas para bebês e crianças reabrissem nesta terça-feira, há sinais de que o pacto entre Igreja e Estado pode estar se desgastando.
Na Páscoa, o arcebispo Riccardo Fontana, de Arezzo, tornou-se o primeiro prelado italiano a pressionar publicamente uma autoridade do governo sobre a paralisação.
“Por que as alcachofras no mercado, sim, e o óleo santo na igreja, não?”, perguntou Fontana durante uma tradicional mensagem de TV na noite de Páscoa aos cidadãos de Arezzo, que contou também com a participação do prefeito Alessandro Ghinelli.
A referência de Fontana foi à tradicional Missa do Crisma na Quinta-feira Santa, quando se abençoam os óleos a serem usados nos sacramentos durante o ano inteiro. No fim de março, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos do Vaticano determinou que os bispos locais poderiam decidir reagendar a Missa do Crisma, mas não as outras liturgias da Semana Santa.
“A catedral é o maior edifício coberto da cidade. Então me expliquem por que se pode entrar no supermercado em um número razoável e na igreja, não”, disse Fontana. Ao insistir que a Igreja local foi obediente, ele também chamou os limites à vida sacramental de “horríveis”, afirmando que são uma fonte de “grande sofrimento”.
Ghinelli, aparentemente surpreso, respondeu que as medidas restritivas, que ele chamou de “um sacrifício para todos”, têm o objetivo de acabar com a crise o mais rápido possível.
“Quanto mais cedo pudermos sair desta situação, mais cedo poderemos nos abraçar novamente”, disse ele.
Embora Fontana seja o primeiro bispo a se pronunciar de uma forma tão pública, ele dificilmente é a única voz religiosa na Itália que questiona a lógica da suspensão completa da vida normal da Igreja.
Também na Páscoa, Alessandro Meluzzi, um renomado psiquiatra, criminologista e comentarista de TV, além de líder da Igreja Ortodoxa Autocéfala Italiana, chamou a suspensão das liturgias públicas de “um enorme erro”.
“As igrejas estão fechadas, mas os supermercados estão abertos”, disse Meluzzi. “Eu diria que os dados que temos sobre a circulação de ar dentro desses mercados não são necessariamente melhores do que os de imensas igrejas com tetos extremamente altos e com um fluxo de ar ideal. São igrejas onde as pessoas podem facilmente manter uma grande distância entre si.”
O jornalista católico Maurizio Scandurra também lamentou a repressão no fim de semana da Páscoa.
“Não poderia ser feito na igreja da mesmo forma como se faz para pegar os cheques de pensão nos Correios, revezando-se em ordem alfabética em dias alternados?”, perguntou Scandurra.
“Isso não teria nenhum impacto no risco de infecção. Há um amplo espaço nas igrejas para acomodar pessoas com segurança. Tudo o que é necessário é evitar o contato físico e respeitar as distâncias, abstendo-se por um tempo de gestos típicos de devoção popular, como beijar, tocar e acariciar os ícones sagrados”, disse ele.
A frustração com os fechamentos também pode ser vislumbrada em uma constante onda de intimações e de multas emitidas pela polícia em várias localidades italianas devido a reuniões não autorizadas nas igrejas.
O incidente mais recente ocorreu na noite de sábado, em Scafati, na região da Calábria, no sul da Itália, onde a polícia interrompeu o rito da Vigília Pascal na Igreja de Santa Maria das Virgens, envolvendo um grupo de aproximadamente 30 pessoas, a partir de denúncias nas mídias sociais. Segundo relatos da mídia, os envolvidos foram ordenados a se autoisolarem por 14 dias.
O Pe. Giovanni De Riggi pediu desculpas na página da paróquia no Facebook, mas insistiu que achava que estava agindo dentro dos termos de um protocolo do dia 27 de março emitido pelo Ministério do Interior do país, permitindo que um pequeno número de pessoas participasse dos ritos da Semana Santa.
“Na celebração realizada a portas fechadas, havia apenas o número exigido pelo rito, junto com suas famílias, todos sentados um por banco, em total respeito à distância local imposta e sem nenhuma reunião pública”, escreveu De Riggi.
Em Sanremo, no noroeste da Itália, lar do festival de música mais famoso do país, a polícia invadiu uma igreja no Domingo de Páscoa sob suspeita de que uma missa pública ilícita poderia estar em andamento. Segundo relatos, no entanto, a polícia se retirou depois de encontrar apenas um pequeno grupo de pessoas em oração particular e observando as distâncias apropriadas.
No entanto, as restrições ao coronavírus também têm defensores proeminentes na Igreja italiana.
O teólogo Vito Mancuso, um ex-padre laicizado que é um protegido teológico do arcebispo Bruno Forte, um importante aliado e consultor do Papa Francisco, rejeitou pedidos de alguns políticos italianos para reabrir as igrejas, em uma entrevista na Páscoa.
“Aqueles que pediram para abrir as Igrejas para ganhar alguns pontos nas pesquisas fazem parte daquele tipo de homens que sempre usaram Deus para os seus tráficos terrenos”, disse Mancuso. “Eles sempre existiram. Nunca tiveram nada a ver com a espiritualidade.”
Por enquanto, resta saber quando o governo da Itália poderá dar a luz verde para um retorno gradual à vida eclesiástica normal.
“Estamos, mais uma vez, representando as expectativas e os compromissos da comunidade eclesiástica junto ao governo”, disse o Pe. Ivan Maffeis, porta-voz da Conferência Episcopal Italiana, na Sexta-Feira Santa.
“Não posso lhe dizer mais do que isso”, afirmou.
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Bispo italiano contesta publicamente as restrições ao coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU