05 Abril 2019
Alessandro Rovati é professor de Teologia no Belmont Abbey College e membro do conselho de diretores do instituto New Wine, New Wineskins. Os estudos de Rovati se centram na ética cristã, filosofia moral e política, doutrina social católica e a teologia política.
Ele contribuiu com o capítulo “War is America’s Altar” [A guerra é o altar dos Estados Unidos] no livro “Cultural Violence and Peace” [Violência cultural e paz” (Ed. Brill), viajou pelas dioceses dos Estados Unidos para ensinar a ministros, educadores e fiéis leigos, e escreveu artigos nas publicações Philosophical News, Quaestiones Disputatae e Journal of Moral Theology.
Ele conversou sobre o seu trabalho com o teólogo Charles Camosy, professor da Fordham University. A conversa foi publicada em Crux, 30-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Você está no conselho de um grupo que eu trago no coração, o New Wine, New Wineskins. Pode nos contar um pouco sobre a história do grupo que levou ao momento presente?
O New Wine, New Wineskins (NWNW) é uma associação para jovens teólogos morais católicos que estão no início de suas carreiras acadêmicas. Ele foi fundado em 2002, com o objetivo de criar um lugar que fomentasse o companheirismo, as conversas genuínas e pesquisas comuns para aqueles que estão entrando no campo da teologia moral. Acima de tudo, os membros da associação (passados e presentes) compartilham a ideia de que fazer teologia é uma vocação, e o NWNW deu a todos nós a oportunidade de encontrar uma rede de amigos que se acompanham ao tentarem encontrar modos de estar a serviço da Igreja e do mundo.
Todos os anos, reunimo-nos para um simpósio em que os membros têm a chance de estar juntos, apresentar artigos sobre a sua área de especialização e dialogar sobre as questões mais prementes que enfrentamos na Igreja, na academia e na sociedade. Nossos encontros intencionalmente dedicam muito tempo para as conversas, para além das sessões formais de apresentação de trabalhos, para criar uma atmosfera que seja íntima e que permita que as pessoas realmente compartilhem suas intuições, questões e preocupações. O resultado é que, no NWNW, lidamos com as mesmas divergências e questões difíceis que todos os teólogos precisam enfrentar, mas fazemos isso em um contexto em que o outro é sempre estimado como um companheiro de jornada, e não como um adversário a ser derrotado. Isso nos permite abordar as coisas com as quais divergimos com abertura e caridade, nunca deixando que as nossas divergências ofusquem a nossa pertença eclesial comum.
Neste ano, vocês escolheram a professora Holly Taylor Coolman, do Providence College, como a conferencista principal. Pode nos falar um pouco sobre essa escolha? O fato de ela ser uma teóloga que concorreu a um cargo público tem algo a ver com isso?
Os nossos simpósios sempre começam com um diálogo com um grande estudioso que, de uma forma ou de outra, moldou o campo da teologia moral. Nós sempre envolvemos todos os membros na decisão sobre quem convidar, e neste ano nós nos decidimos pela professora Taylor Coolman. Além de seu trabalho acadêmico como teóloga moral – suas obras sobre as teologias cristãs do judaísmo e sobre as relações judaico-cristãs são especialmente dignas de nota – ela publicou muitos artigos populares sobre vida familiar e adoção. Ela também tem muito a dizer sobre a polarização na Igreja nos Estados Unidos, tendo contribuído com um livro que você ajudou a editar. Esse é um tema sobre o qual pensamos e discutimos muito no NWNW, e ela é uma voz muito articulada a esse respeito. Obviamente, o fato de ela ser uma teóloga que disputou um cargo público como democrata pró-vida teve muito a ver com o fato de convidá-la para ser a nossa conferencista principal.
Embora os membros sejam convidamos a apresentar trabalhos sobre uma variedade de assuntos, o simpósio deste ano se concentrará na Igreja e na sociedade. A professora Taylor Coolman escreveu e falou com bastante eloquência sobre a condição de desamparo dos católicos no nosso cenário político atual, e o fato de ela ter, de fato, concorrido ao cargo e tentado fazer parte da proposição de uma alternativa torna a sua contribuição única e muito interessante. Estamos muito ansiosos para debatermos com ela.
Como você vê a relação entre fazer teologia católica – especialmente teologia moral – e o engajamento com o ativismo e a política? Quando eu estava no programa de doutorado da Notre Dame, eu não diria que havia uma aversão a fazer essa conexão, mas certamente ela não era encorajada. É interessante que Taylor Coolman tenha sido escolhido não apesar do seu ativismo e política, mas, pelo menos em parte, por causa disso.
A Gaudium et spes afirma que tudo o que é genuinamente humano suscita um eco nos corações dos cristãos e chama todos os fiéis a estarem sempre atentos aos sinais dos tempos. Isso significa que os cristãos tendem a ter uma resposta distinta para as questões e preocupações que caracterizam a condição humana, incluindo questões e preocupações sobre a nossa vida em conjunto. Uma das formas pelas quais a Igreja articulou a sua preocupação e interesse pela condição humana é a doutrina social católica, que, como João Paulo II explicou na Centesimus annus, pertence ao campo da teologia, particularmente da teologia moral. Tudo isso para dizer que fazer teologia católica tem implicações importantes para o engajamento político, e, portanto, não deveríamos nos surpreender quando os teólogos morais explicam como os nossos compromissos de fé impactam o modo como participamos da sociedade.
Ao mesmo tempo, costuma-se dizer que a doutrina social católica é o segredo mais bem guardado da Igreja, o que pode em parte explicar o fato de as pessoas ficarem surpresas quando os teólogos assumem posições públicas fortes sobre as questões políticas do dia. No fim, porém, a questão crucial não é tanto se a fé tem implicações políticas – ela certamente as tem –, mas sim como tornar o nosso envolvimento na política um verdadeiro fruto do Evangelho e não uma mera repetição de ideologias partidárias que vêm de fora. Esse discernimento é desafiador e sempre contínuo, e é por isso que é essencial encontrar pessoas com quem se possa pensar clara e honestamente sobre esses assuntos. Essa é precisamente uma das razões pelas quais o NWNW existe.
Eu me pergunto se há um deslocamento geral em direção a uma conexão mais forte entre a teologia moral e o ativismo e a política, em parte por causa daquilo que eu argumentei como sendo a ascendência da teoria crítica interseccional. Você acha que tal ascendência existe? Você acha que isso tende a pender desproporcionalmente na direção do ativismo e da política?
É difícil dizer. De fato, pode ser que um foco renovado na política se deva, em parte, à ascendência da teoria crítica interseccional. Mas eu acho que existem muitas outras razões também. Por exemplo, parece-me que os católicos de todas as tendências consideram as opções políticas diante deles cada vez mais ininteligíveis e que estão sobrecarregados pelas muitas injustiças do nosso tempo. O deslocamento também tem algo a ver com o fato de que a doutrina social católica está se tornando um tema de discussão nas paróquias e escolas católicas, o que significa que os católicos comuns estão cada vez mais sensibilizados para a necessidade de encontrar uma voz distinta e de se engajar em uma ação significativa na arena pública.
Obviamente, os próprios ensinamentos e gestos do Papa Francisco também desempenham um papel importante, mas certamente os seus antecessores não eram politicamente desengajados. Basta pensar no modo como João Paulo II moldou a forma como os católicos pensam e defendem ativamente a dignidade da pessoa humana ou as conversas sobre a necessidade de um ambientalismo cristão iniciadas por Bento XVI. Mesmo na academia, a teoria crítica interseccional não é a única força que está impulsionando a discussão teológica a levar o engajamento político mais a sério. Nos simpósios anteriores, debatemos o trabalho de Stanley Hauerwas, Daniel K. Finn, Bryan Massingale, William T. Cavanaugh e Cathleen Kaveny, e todos eles nos ajudaram a pensar sobre como seria uma política cristã.
Por mais importantes que eu acredite que o ativismo a política sejam para os teólogos morais, eu me preocupo que, quando feito por teóricos da crítica interseccional, às vezes o ativismo pode afastar tentativas de se envolver rigorosamente com pontos de vista ideologicamente diversos em relação às normas acadêmicas. Qual é a sua sensação em relação a isso?
Trata-se de questões significativas, e é urgente preservar espaços onde elas possam ser discutidas. O pior que pode acontecer com a teologia moral – e com a Igreja como um todo, obviamente – é que os acadêmicos se entrincheirem em nichos de pessoas que pensam igual e que percebem aqueles que discordam delas como estranhos com os quais não vale a pena se envolver. Infelizmente, essa é uma tentação que atravessa todo o espectro ideológico e que corre o risco de corromper a vida comum na academia e além dela. Precisamos que as pessoas que estejam preocupadas com essas divisões se unam, que se comprometam com o diálogo sobre elas e que continuem participando de espaços que ajudem a descobrir e a forjar um empreendimento comum. O NWNW é um lugar onde essas conversas estão acontecendo, e a nossa esperança é que elas continuem acontecendo.
Entre os nossos membros, temos pessoas que aparecem em lados diferentes em relação às questões que você discutiu em “The Crisis of Catholic Moral Theology” [A crise da teologia moral católica]. Como tal, o NWNW não tem – e não pode ter – uma única posição sobre elas. Nós temos, sim, uma posição, porém, a saber, que estamos comprometidos em estabelecer um espaço onde o engajamento rigoroso com pontos de vista ideologicamente diversos seja possível. O NWNW está empenhado em permitir que pessoas com opiniões diferentes dialoguem entre si em um espírito de caridade, porque temos a certeza de que é caminhando juntos que entraremos mais profundamente na verdade.
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Jovens teólogos morais buscam colocar ''vinho novo em odres novos''. Entrevista com Alessandro Rovati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU