10 Janeiro 2019
Cinco dias após suspender a política de reforma agrária no país, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recuou e cancelou a paralisação, que prejudicava a criação de assentamentos rurais e a titulação de territórios quilombolas em todo o país.
A reportagem é de Daniel Camargos e Diego Junqueira, publicada por Repórter Brasil, 09-01-2019.
Em memorando enviado ontem (8) às 22h13 para as 30 superintendências regionais do Incra, o presidente substituto do órgão, Francisco José Nascimento, esclarece que "não há determinação do Governo Federal de suspender as ações das políticas de reforma agrária e de ordenamento fundiário". O documento também revoga dois memorandos que haviam sido enviados no dia 3 de janeiro e que suspendiam todos os processos de compra e obtenção de terras para a criação de assentamentos rurais. A paralisação da reforma agrária foi revelada na manhã de ontem (8) pela Repórter Brasil.
A justificativa para a paralisação era aguardar a definição da nova estrutura do Incra, que no governo do presidente Jair Bolsonaro deixou a Casa Civil e passou para o Ministério da Agricultura.
Entre servidores do Incra, a sensação é a de que o governo está "perdido". A Repórter Brasil conversou hoje (9) com três funcionários, que pediram para não serem identificados. Eles avaliam que a decisão inicial de suspender a reforma agrária e a posterior decisão de revogação da medida deixaram os funcionários atônitos.
Na segunda-feira (7), um dos superintendentes do órgão solicitou a Cletho Muniz de Brito, diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, mais detalhes sobre o memorando que paralisou as ações da diretoria. "Necessitamos esclarecimentos sobre quais processos estão efetivamente sobrestados e quais ações efetivamente suspensas, uma vez que a Fundiária envolve várias ações: cadastro rural, cartografia, certificação de imóveis rurais, regularização fundiária e regularização de territórios quilombolas", escreveu o superintendente em circular interna.
Uma possível suspensão da reforma agrária afetaria de forma imediata 250 processos de aquisição de terras para assentamentos rurais e mais de 1.700 processos de demarcação de quilombos. Para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), uma suspensão da reforma agrária aprofundaria a violência no campo, segundo avaliação do dirigente nacional, Alexandre Conceição.
Apesar de ter voltado atrás, o Incra manteve a determinação de que as superintendências enviem, até hoje, um levantamento detalhado sobre todos os imóveis que podem ser destinados para a reforma agrária.
Os servidores do Incra atribuem a ordem de suspender a reforma agrária ao secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia. O secretário chegou a ser cotado para o posto de ministro, mas a frente ruralista do Congresso preferiu indicar o nome da ex-presidente da bancada, a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS).
Nabhan Garcia assessorou Bolsonaro durante a campanha eleitoral, principalmente nos contatos com o agronegócio. Garcia foi protagonista no embate com o MST durante a década de 1990 nas disputas por terras no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. À época, ele foi acusado por um fazendeiro de organizar milícias privadas na região e chegou a ser convocado a prestar esclarecimentos à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra. A Repórter Brasil pediu uma entrevista como Nabhan Garcia para a assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, mas não obteve retorno.
Leia mais
- Um dia após divulgação, governo suspende memorando sobre reforma agrária
- Governo Bolsonaro suspende reforma agrária por tempo indeterminado
- Resistência a medidas do governo Bolsonaro começa com “repúdios” e representações ao MPF
- O aumento da violência no campo
- Por que a ministra da Agricultura anunciada por Bolsonaro é conhecida como “musa do veneno”
- ‘Absurdo falar em desmatamento zero’, afirma líder ruralista
- Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador
- O boi que faz a antirreforma agrária e sacrifica o meio ambiente
- Tristes recordes da anti-reforma agrária
- Governo não assenta famílias em 2017, e reforma agrária tem freio inédito no país
- Amazônia - A falta de um amplo processo de reforma agrária faz com que a impunidade e o crime compensem. Entrevista especial com Gustavo Cepolini Ferreira
- Una reforma agraria al revés
- “Vamos pautar a reforma agrária nas terras dos banqueiros”, afirma Gilmar Mauro
- Relatório aponta redução de 95% no orçamento de Temer para a reforma agrária
- Mineradoras, agronegócio, armas e 'indústria da fé' bancam Bolsonaro
- Bolsonaro pode acabar com 129 processos de demarcação de terra indígena
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Governo Bolsonaro recua e cancela suspensão da reforma agrária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU