Por: João Vitor Santos, Ricardo Machado e Patricia Fachin | 06 Abril 2018
O Brasil amanheceu na quinta-feira, dia 05-04-2018, com um misto de tensão, dúvida, até um pouco de medo, mas também com algumas manifestações de satisfação por uma suposta ideia de Justiça. Este clima atingiu seu clímax no início da noite deste dia com o anúncio da apressadíssima ordem de prisão de Luiz Inácio Lula da Silva.
Depois de uma sessão de mais de dez horas, realizada na última quarta-feira, 04-04-2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu não conceder habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Logo, já condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá, Lula pode ser preso para cumprir a pena de 12 anos e um mês de detenção.
Entretanto, as repercussões dessa decisão vão além e não dividem apenas quem é favorável ou contrário a Lula. Mesmo quem é crítico ao ex-presidente e considera que deva ser preso se diz desconfortável com a postura da ministra Cármen Lúcia e a decisão da corte. Numa manobra regimental, ela pôs em apreciação o caso específico de Lula sem antes votar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADCs. Na prática, o STF opta por particularizar o caso específico e adia o debate mais amplo sobre matéria, que pode decidir se todos os condenados em segunda instância podem ser presos ainda mesmo antes de se esgotarem todos os recursos legais.
E, somado a tudo isso, ainda há a crise política na qual o país parece mergulhado. Em pleno ano de eleições, o Brasil se vê envolto em ataques à Constituição de 1988, polarização e disputas ideológicas extremamente acirradas, movimentos que podem gerar consequências por muito tempo e muitas incertezas com relação ao futuro. Para refletir diante desse cenário e dessas inúmeras questões, a IHU On-Line foi ouvir especialistas para tentar compreender o que significou esse julgamento de quarta-feira e quais devem ser as consequências.
Contribuem para o debate Adriano Pilatti, Roberto Romano, Rudá Ricci, Ivo Lesbaupin, Bruno Lima Rocha, Moysés Pinto Neto e Robson Sávio.
Adriano Pilatti é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj, com pós-doutorado em Direito Público Romano pela Universidade de Roma I - La Sapienza. Foi assessor parlamentar da Câmara dos Deputados junto à Assembleia Nacional Constituinte de 1988. É autor do livro A Constituinte de 1987-1988 - Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008). Pilatti também traduziu o livro Poder Constituinte - Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio Negri (Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2015).
Moysés Pinto Neto é graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e doutor em Filosofia nessa mesma instituição. Leciona no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra Canoas. É autor, entre outros, do artigo Identidade de Esquerda ou Pragmatismo Radical?, publicado na edição nº 259 dos Cadernos IHU ideias.
Roberto Romano é professor aposentado de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Cursou doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS, França. Escreveu, entre outros livros, Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico (São Paulo: Kairós, 1979), Conservadorismo romântico (São Paulo: Ed. Unesp, 1997), Moral e Ciência. A monstruosidade no século XVIII (São Paulo: SENAC, 2002), O desafio do Islã e outros desafios (São Paulo: Perspectiva, 2004) e Os nomes do ódio (São Paulo: Perspectiva, 2009).
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.
Bruno Lima Rocha é mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Leciona nos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo da Unisinos.
Ivo Lesbaupin Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e membro da ONG Iser Assessoria, do Rio de Janeiro. É doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais O Desmonte da nação: balanço do governo FHC (1999); O Desmonte da nação em dados (com Adhemar Mineiro, 2002); Uma análise do Governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres (2010).
Robson Sávio Reis Souza é licenciado em Filosofia; doutor em Ciências Sociais; mestre em Administração Pública; especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública e, ainda, especialista em Teoria e Prática da Comunicação. É professor da PUC Minas, integrando o Departamento de Ciências da Religião. Também coordena o Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e realiza estágio pós-doutoral no programa "Direitos Humanos em Perspectiva Comparada, Brasil e Espanha", da Universidade de Salamanca. É professor na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia; associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais e coordenador da Comissão da Verdade em Minas Gerais.
Confira as entrevistas.
IHU On-Line – Qual sua avaliação do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Lula pelo STF?
Adriano Pilatti | Foto: Luísa Boéssio - IHU
Adriano Pilatti – Uma lástima. A começar pela “estratégia vencedora” da presidente da corte, mencionada pelo ministro Marco Aurélio: a esperteza de colocar em pauta o habeas corpus, que tocava o caso concreto, e não as ações declaratórias, que permitiriam uma decisão definitiva em tese. A decisão “ad personam”, diante de todo o clima criado no país, já dificultava por si uma divergência em relação ao coro punitivista orquestrado num conluio de instituições públicas e privadas, da mídia às corporações togadas e armadas.
Mas foi uma lástima sobretudo porque, por exígua maioria, e com argumentos sofríveis, quando não totalmente estapafúrdios, decidiu-se continuar interpretando uma regra constitucional contra o seu sentido evidente, contra sua literalidade e sua conexão com outras garantias igualmente explícitas. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal - STF, por sua maioria, continua emendando a Constituição e, no caso, emendando restritivamente uma garantia que nem o Congresso Nacional, que exerce o chamado poder constituinte derivado ou reformador, poderia emendar para restringir. Interpretou-se, mais uma vez, uma garantia constitucional individual em matéria penal contra seu sentido e alcance evidentes para qualquer calouro de Direito. Uma garantia que é cláusula pétrea, imune até mesmo a emenda à Constituição.
Ou seja, o STF, por sua maioria, no caso a “ala punitivista” também aludida por Marco Aurélio, continua usurpando o poder constituinte originário. Com o agravante de ter-se decidido nesse sentido sob o eco de ultimatos de generais: ficou parecendo continência da toga à farda, como se a espada tivesse pesado sobre um dos pratos da balança.
Além disso, reforçou-se a eficácia de uma decisão judicial carente de provas indubitáveis que a respaldassem, tomada com motivações políticas indisfarçáveis, contra um ex-presidente que, sem prejuízo do reconhecimento de seus erros, no meu entender não merece passar por isso.
Aliás, poucos e poucas merecem. Respondo sob o impacto da notícia da apressadíssima expedição da ordem de prisão e, de certo modo, é como se uma daquelas enormes árvores da Amazônia desabasse diante de mim. Um grande líder popular, que muito fez pelos pobres e negros do meu país, apesar de suas errâncias. Tudo isso é muito triste, é triste ver o gozo agressivo do vulgo endinheirado, sua sede de vingança, seu ódio de classe, sua alegria com o encarceramento, a humilhação e o sofrimento dos que tomam por inimigos.
Roberto Romano em evento no IHU
Foto: Ricardo Machado | Acervo IHU
Roberto Romano – A decisão do STF sacralizou o esfacelamento final das instituições públicas brasileiras. Com clareza meridiana os juízes decidiram com a pressão imediata dos que operam com a força física do Estado, as Forças Armadas, que se pronunciaram com ameaças à forma constitucional. Juízes supremos que decidem sob o ditado da força mostram que não têm poder de fato e de direito. Aliás, a história da nossa Suprema Corte é farta de episódios em que magistrados, em colégio ou individualmente, se curvaram diante dos canhões. Quem comemora a opção da Dra. Cármen Lúcia deve recordar que, cedo ou tarde, a garantia constitucional da presunção de inocência, cortada por seis integrantes do plenário, terá frutos amargos em outros e outros casos. Nunca aplaudi o Dr. Gilmar Mendes, mas ele adiantou, em seu voto corajoso e lúcido, situações já ocorridas de graves desastres devido à desobediência ao preceito jurídico em pauta. Seus colegas, sobretudo o Dr. Luis Fux, fizeram ouvidos de mercador às ponderações sábias do ministro Celso de Mello.
É clara como o sol a divisão no Tribunal. E como se fosse escárnio, a ministra Rosa Weber se escudou, para seu voto escandaloso do ponto de vista lógico e também ético, na tese da ordem colegiada para validar decisões.
Primeiro, como justificar uma juíza que alega pensar juridicamente de um modo, mas decide contra seu próprio pensamento, pergunto.
Em segundo lugar, a farsa do recurso retórico em que ela incorreu foi exposta nos números: o "coletivo" invocado por ela não existe, visto o resultado da votação.
Concordo, além disso, com o que disse Leonardo Boff sobre o caso: decidir pelo coletivo poderoso (mesmo que de juízes) é hábito comum em regimes totalitários. Se existe democracia de fato, a consciência moral, ética, jurídica do indivíduo deve imperar.
No livro da história brasileira, o episódio daquele julgamento estará no mesmo rodapé que narra a curvatura da espinha dos integrantes do Supremo às decisões emanadas dos Atos Institucionais, do primeiro ao quinto. Fico preocupado com a insegurança geral lançada sobre a vida brasileira, com semelhante atentado à Carta de 88, em nome do realismo e do medo judiciário diante das ameaças da Força. Depois da lastimável decisão, a tarefa urgente de pacificar a sociedade brasileira se tornou mais árdua.
Ricci | Foto: Carolina Lima / Acervo IHU
Rudá Ricci – Não houve uma surpresa. Vários analistas sugeriam que a votação teria como placar 6 a 5 ou 7 a 3 (sem voto de minerva da presidente). Também indicavam que o voto de Rosa Weber definiria o resultado final. Havia claro indício que seria concedido o Habeas Corpus por uma margem pequena. Contudo, a pressão dos maiores órgãos de imprensa e a ameaça de generais fez a balança pender para o outro lado. Isto porque a presidência atual do STF é fortemente impactada pela possibilidade de instabilidade social ou política no Brasil. É conhecida por costumeiramente ouvir lideranças políticas conservadoras para medir a temperatura política às vésperas de algum julgamento relevante.
Ivo Lesbaupin | Foto: Reprodução do Facebook
Ivo Lesbaupin – Em primeiro lugar, devemos dizer que o clima criado por este julgamento era absolutamente desnecessário. Foi por decisão da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que a questão mais geral, sobre a prisão após condenação em segunda instância, não foi primeiro a julgamento no Supremo. Seria, como bem disse [Leonardo] Sakamoto, uma decisão que valeria para todos e não só para uma pessoa. O que Cármen Lúcia fez foi não pautar este debate e personalizar o julgamento, com o Habeas Corpus do Lula.
O fato de o país ter se incendiado em torno do julgamento, com torcidas por um lado e outro, chegando ao extremo com pronunciamentos de autoridades militares para influenciar a decisão, tem sua raiz na opção da presidente do Supremo. Foi irresponsável do ponto de vista da sociedade, mas produziu o que ela queria, uma forte pressão sobre o STF, para que resultasse num veredito que levasse Lula à prisão. A presidente do Supremo tem lado político e utilizou do seu poder para decidir em seu favor. A ideia de que a Justiça é cega e imparcial passou longe das iniciativas da presidente.
Houve, porém, argumentações baseadas na Constituição e na imparcialidade por parte de alguns ministros. O que significa que não estamos perdidos.
O precedente de tomada de posição de um comandante geral do Exército, um dia antes do julgamento, é extremamente grave. Poucos dias antes, um general da reserva já tinha se manifestado publicamente, sugerindo intervenção militar, o que era uma clara chantagem para influenciar o posicionamento do STF. Ambas as iniciativas se fizeram à margem da Constituição e não tiveram resposta à altura. Aparentemente, estamos num governo sem comando. O que nos rege? A Lei Maior permanece válida?
A eventualidade de uma intervenção das Forças Armadas na política nacional vem sendo ventilada de tempos em tempos por alguma autoridade militar sem que se veja uma reação forte o suficiente para estancar esta hipótese. O Brasil teve 21 anos de ditadura militar há muito pouco tempo (1964-1985). Durante este período, suprimiu-se a democracia, a sociedade não pôde se manifestar, foi suspensa a liberdade de informação, de opinião, de expressão. Uma pequena parte da sociedade se autoerigiu como tutora de todos os demais. Os que se opuseram ou que discordaram da ditadura foram perseguidos, censurados, presos, eventualmente torturados, dos quais vários saíram mortos. A decisão sobre a liberdade ou a prisão de alguém, com direito de vida ou morte, era feita pelos órgãos de repressão estabelecidos pelos militares. Lideranças camponesas, indígenas, de trabalhadores urbanos foram assassinadas para impor a nova ordem. Estabeleceu-se a paz dos cemitérios.
Não queremos voltar a estes tempos sombrios, conhecidos como "anos de chumbo", não queremos perder a democracia, a liberdade que reconquistamos depois de muita luta.
Bruno Lima Rocha | Foto: Ricardo Machado - IHU
Bruno Lima Rocha – Minha avaliação do julgamento é que parece uma estratégia casuística. O texto constitucional é evidente e o STF não deveria julgar o caso sem a alteração da regra primeiro. Na minha opinião de não jurista, é correto condenar em segunda instância, mas para tal é preciso uma definição objetiva na constituição através de um Projeto de Emenda Constitucional - PEC. Sem isso, não posso concordar com tamanho ativismo judiciário e ministro do Supremo sendo revisor constitucional não eleito.
Moysés Pinto Neto durante sua palestra no IHU
Foto: Cristina Guerini | IHU
Moysés Pinto Neto – O resultado já era previsto, mas os fatos são pavorosos. Primeiro, não faz o mínimo sentido colocar em pauta o Habeas Corpus de Lula antes do julgamento das ações de declaração de constitucionalidade, ainda mais quando o resultado indicado é diferente devido ao voto da ministra Rosa Weber. Nesse sentido, a indignação do ministro Marco Aurélio foi totalmente correta e a solução da ministra Cármen Lúcia, mais uma vez, dúbia (para dizer o mínimo).
Afora isso, o julgamento acabou tumultuado por pressões externas, que entendiam a questão sob o prisma exclusivo do ritmo que o processo pós-impeachment recebia em relação a Lula. Para a maioria dos que visualizam um golpe orquestrado pelas elites, o julgamento faria parte do "pacote de [Romero] Jucá", consolidando o processo de perseguição sobre o campo petista e eliminando seu principal nome eleitoral. Para o outro lado, o habeas representaria o exato inverso: Lula se beneficiaria do "pacote de Jucá" e, com isso, a classe política conseguiria evitar os efeitos da Lava Jato. Entre essas posições, há diversos matizes, entre os quais eu, por exemplo, me coloco.
Embora considere que o impeachment foi um golpe parlamentar, acho que existem duas linhas majoritárias concorrentes competindo na disputa pelo espaço hegemônico deixado pelo PT, e uma minoritária muito mais perigosa. De um lado, as velhas oligarquias que deram o golpe, apoiadas pela bancada BBB [Boi, Bala, Bíblia], o baixo clero e com vistas a neutralizar o efeito Lava Jato. De outro, as "novas" (entre aspas) oligarquias modernizantes, que envolvem políticos liberais, mídia (especialmente a Globo) e a burocracia jurídica. O governo [Michel] Temer é um equilíbrio precário desses dois setores, combinando a velha oligarquia patrimonialista com a "Ponte para o Futuro". Mas, como existem demandas conflitantes, não raro entram – felizmente – em rota de colisão.
Assim, enquanto os velhos políticos, como Renan Calheiros, preferem evitar as reformas políticas a fim de manter intacta a base política (as reformas são impopulares), as novas oligarquias, de um Henrique Meirelles, por exemplo, querem tocá-las aproveitando a "pausa democrática". O mesmo ocorre, de modo invertido, com a Lava Jato. A velha oligarquia deseja "estancar a sangria", enquanto a nova é obrigada a uma solução de compromisso a fim de evitar a acusação de que somente o PT é atingido, mirando seus aliados do Planalto.
Lula está claramente emparedado entre essas duas elites, como um convidado expulso da festa. A aposta desenvolvimentista era um grande acordo em que todo mundo se dá bem: o Brasil cresce, as oligarquias políticas conseguem financiamento eleitoral, as oligarquias econômicas, em especial os supercampeões, recebem o investimento e os pobres são beneficiados pelas obras e os empregos. Mas, de repente, a burocracia jurídica resolve – impulsionada pelo lado direito de 2013 – intervir no processo e trazer à tona novamente o tema da corrupção, que era uma cartada da direita desde o “Cansei” e o “Mensalão”. Mas eles ainda têm o compromisso, mesmo que formal, com a democracia liberal, de modo que precisam fazer compensações. O que tira sua legitimidade são não apenas os atos que transbordam as garantias jurídicas, mas a estranha imunidade que os tucanos – setor político que mais se identifica a essa visão de mundo – parecem usufruir. Enquanto não houver a demonstração de que não há favorecimento, a burocracia seguirá sendo contestada como seletiva pela esquerda.
Lula, no entanto, resiste porque é muito forte politicamente. E um grande apoio social, da maior parte – quase toda – da esquerda, acaba colocando-o como nó da polarização social no Brasil. Por isso, o julgamento teve uma tensão social incrível e não tinha como ter um desfecho capaz de resolver o problema.
Falei de três setores e não explicitei o minoritário: uma extrema-direita verborrágica, paranoica e alimentada pela cultura de Internet que, embora minoritária, faz muito barulho, a ponto de colocar o Exército na jogada. Trata-se de um dos piores episódios na precária história democrática pós-88, no qual um militar se colocou num poder que não dispõe: o moderador.
Ao contrário do que os neoconservadores e fascistas de redes sociais suspeitam, o Exército não é um fiel guardião da República e nem um moderador político. O Exército é totalmente submetido ao poder civil e só atua por ordem do poder civil. Qualquer coisa fora disso é um puro golpismo, violência da exceção no seu estado pleno.
Robson Sávio | Foto: Arquivo Pessoal
Robson Sávio – Dado que Lula foi condenado sem qualquer prova digna desse nome, o julgamento de seu Habeas Corpus se transformou num misto de hipocrisia e dissimulação. O cenário, os atores e o contexto do julgamento denunciavam, a olhos nus, um espetáculo deprimente, apesar das máscaras de imparcialidade e das falas herméticas, recheadas de enfadonha retórica bacharelesca. Em rede nacional foram desnudados os estratagemas urdidos nos bastidores, com vistas ao posicionamento de um amontoado de vaidades pessoais e não de uma Corte constitucional preocupada e comprometida com saídas razoáveis e justas para a gravidade do momento político atual. Não se tratou da análise de um instrumento basilar da cidadania, o habeas corpus, mas da inviabilidade eleitoral de um ex-presidente que, numa democracia de fato e não de fachada, deveria ser avaliado pelas urnas, haja vista a fragilidade e as controvérsias de sua condenação.
Nesse sentido, o julgamento do Supremo se constituiu em mais uma peça de um jogo tramado pelas elites nacionais, promotoras da ruptura institucional em 2016, e abençoado, desde o primeiro momento, por amplos setores do sistema de justiça para impedir que a vontade popular seja considerada nessa quadra da história de um país marcado por golpes e tramoias do andar de cima. O circo se completou com a visível tibieza de uma presidente do Supremo oportunista e ardilosa, que deixou de seguir a ordem natural e cronológica das ações que aguardavam decisão do tribunal, julgando o caso particular antes do geral e, por isso, foi desmascarada por um dos seus consortes.
Acusada e acuada de armar uma cilada, emudeceu; uma atitude pusilânime. As pressões da mídia empresarial, da caserna twiteira e dos penitentes funcionários públicos que fizeram jejum (utilizando-se da mais estúpida alienação e manipulação religiosa) contribuíram para compor o espetáculo grotesco e farsesco. O que se viu foi um grupo amedrontado por pressões, contra as quais apenas um ministro se manifestou.
Por fim, o voto de Rosa Weber foi o cúmulo da hipocrisia, a mostrar que princípios foram substituídos por coleguismo corporativo. A ministra se comportou como uma colegial que se chafurda na lama para ser solidária às amigas. Ou seja, reconheceu a inconstitucionalidade, mas decidiu ficar com “a jurisprudência do tribunal”. Uma manifestação simplesmente patética.
Enfim, o julgamento de ontem e as decisões dele advindas com a decretação da prisão de Lula mostram que o poder judiciário decidiu, definitivamente, ser o principal agente político, seja interferindo no processo eleitoral ou na chantagem a todos os demais agentes políticos e poderes, como vem ocorrendo nos últimos anos.
IHU On-Line – Qual será o impacto político da condenação do ex-presidente Lula?
Adriano Pilatti – A pedra acabou de cair no lago: não produzirá um tsunami, mas vai reverberar forte durante todo o período eleitoral. Em que sentido não se sabe, até porque não se sabe o que acontecerá na sequência: será solto pelo STF? Vão mante-lo preso até depois da eleição? Será realmente bom para os conservadores e reacionários manter Lula na prisão? É difícil prender e manter preso um mito (e Lula o é para milhões, queiramos ou não), mesmo que o homem que encarna esse mito não saia de sua cela.
Roberto Romano - Não existe em nenhum partido nacional, liderança capaz de substituir Luiz Inácio da Silva. Ciro Gomes, Marina Silva, e outros, sequer atingem os índices que lhes garantiram votos no passado. Geraldo Alckmin não possui força fora do Centro Sul, é ignorado no país, mesmo tendo já concorrido à presidência (traído na ocasião por Aécio Neves, que se aliou em Minas a Luiz Inácio da Silva, no Lulécio). A maior densidade de intenções de votos, fora o candidato do PT, pertence a Jair Bolsonaro, cujo discurso assusta setores das classes empresariais e médias, por enquanto. No PT, por força de uma política que sempre dependeu da liderança máxima e única de Lula, não existem líderes com amplitude nacional. Com a saída do candidato petista, o vácuo político entre a sociedade e o Estado aumentou desmesuradamente. Urge uma séria concertação das forças democráticas, caso contrário o autoritarismo pode ser, tristemente, consagrado nas urnas de outubro.
Rudá Ricci – O impacto político será imenso e desastroso. Em perspectiva, é possível perceber que houve, nos dias anteriores, uma escalada da violência política no país, com assassinatos de políticos e lideranças sociais e ataque, com armas de fogo, à caravana de Lula no sul do país. Às vésperas da decisão do STF, as forças de extrema-direita (como o MBL) organizaram manifestações em algumas capitais. Enfim, a ofensiva foi toda da extrema-direita, seja dessas organizações juvenis, seja de milicianos ou de alguns ruralistas. A decisão do STF joga no colo da extrema-direita um gosto de vitória que lhe dará muita energia. E criará grande desolação na militância de base petista, já que a direção partidária não preparou, em nenhum momento, os filiados para retomar a ofensiva política. Ao contrário: jogou todas as fichas no processo eleitoral e, em especial, na candidatura de Lula.
Já as forças de centro-direita e direita estão no poder, mas sem popularidade e poder de iniciativa real. Não conseguem controlar os arroubos da ação direta da extrema-direita, que gera este clima de instabilidade num país que se mexicaniza aceleradamente (se aproxima da violência política do México ou da Colômbia). Acredito que ingressaremos num período de trevas, com ameaças constantes (já que as atuais foram vitoriosas) ao governo de plantão. Nosso problema não será a eleição deste ano, mas a governabilidade do eleito.
Ivo Lesbaupin – O ex-presidente Lula já foi condenado, só não foi preso (ainda). O Habeas Corpus permitiria adiar esta possibilidade, mas não foi aprovado. Ainda lhe restam alguns recursos judiciais, porém a prisão está muito próxima.
Se ocorrer a prisão, dado o clima instalado no nosso país, uma parte da sociedade vai cantar vitória, vai celebrar o fim da corrupção, o fim da impunidade. Para estes, haverá um alívio e uma realização: era o que eles queriam há muito tempo. Lula é um "bode expiatório" que está sendo responsabilizado por todos os males da nossa sociedade atual: a corrupção, o desemprego, a recessão, a Petrobras deslegitimada etc. Lula preso significa o fim de tudo isso.
Qualquer pessoa sensata sabe que isso é falso, mas esta foi a narrativa montada desde o início da Lava Jato. Esta investigação, que deveria ser sobre a corrupção no Brasil, na verdade se concentrou sobre um único partido, o PT, e suas lideranças, Lula e Dilma Rousseff. Há quatro anos que, diariamente, se denuncia Lula ou o PT (ou ambos).
A grande mídia teve um papel fundamental na criação desta narrativa: Lula é o começo e o fim de tudo (de mal). Neste meio tempo, outros políticos foram denunciados, outros partidos foram acusados, mas eles pouco a pouco foram sumindo do noticiário, sendo perdoados, tendo suas penas prescritas ou absolvidos pelo Congresso.
O que a Lava Jato tem como objetivo é inviabilizar Lula politicamente e acabar com o PT (ou torná-lo insignificante). Nisto ela é muito diferente da Operação Mãos Limpas da Itália, pois esta não era contra um partido.
Então, para parte da sociedade, para quem Lula é o culpado de tudo, sua prisão vai ser a realização dos seus desejos. No entanto, para quem queria acabar com a corrupção, é muito estranho que Lula, sobre o qual não se tem provas materiais, vá para a prisão e Aécio Neves e Michel Temer e sua equipe fiquem soltos: sobre eles há provas, gravações. Nós temos um governo corrupto e que funciona corrompendo, comprando votos de parlamentares, à luz do dia. Esta corrupção não foi atingida, nem sequer investigada.
Uma outra parte da sociedade não quer Lula preso: esta parte da sociedade pode até achar que houve corrupção no governo Lula, mas foi no governo dele que a economia melhorou, que eles/elas conseguiram emprego, conseguiram acesso à universidade, conseguiram certos bens de consumo antes inatingíveis, e milhões conseguiram água no semiárido – através das cisternas – e outros conseguiram habitação. Para esta parte da sociedade, a prisão de Lula será uma injustiça, será resultado de uma perseguição política. Não ficarão satisfeitos. São estes que se manifestam nas pesquisas de opinião e colocam Lula na frente. Estes consideram que a prisão de Lula – enquanto tantos outros envolvidos com a corrupção ficam soltos – não é merecida.
Esta insatisfação talvez não se manifeste agora, talvez não apareça em manifestações de rua, como o Movimento Brasil Livre - MBL faz tão bem. Mas virá, mais cedo ou mais tarde, não sabemos que forma tomará, não sabemos como será, mas virá. Estes hoje são os sem voz, os sem mídia.
Bruno Lima Rocha – O impacto político da condenação de Lula é como uma fraude eleitoral antecipada. Parece que o julgamento acaba tendo como meta final tornar ao ex presidente inelegível e ponto. Ainda assim Lula tem grande potencial de transferência de votos e pode colocar um candidato em segundo turno. Mas sem Lula, estão abertas as chances para aventureiros muito à direita como Jair Bolsonaro e Flávio Rocha.
Moysés Pinto Neto – A condenação provocou uma gigantesca incerteza, pois temos um candidato favorito condenado a não participar das eleições. Com isso, não fica claro qual estratégia será adotada. O PT afirma que vai até o fim e isso tem uma lógica estratégica explicável: quer arrastar os votos até quase o final e transferi-los para "o poste". É bastante arriscado, pois teremos todo um segundo turno pela frente. Se Lula não concorrer, muda todo tabuleiro eleitoral.
Robson Sávio – Muito provavelmente a situação política tende a se agravar e radicalizar (ainda mais). Primeiramente, porque a prisão do ex-presidente não impactará, necessariamente, na perda do seu capital político, haja vista sua capacidade de resiliência comprovada durante todo o processo que se estende desde o chamado “mensalão”. Nesse caso, Lula poderá se transformar, aos olhos de boa parte dos brasileiros e da comunidade internacional, num preso político com grande capacidade de mobilização sociopolítica, a derivar num recrudescimento das disputas de modo a tornar imprevisível o futuro do país. E, na impossibilidade de se candidatar, terá potencial de transferência de voto a confrontar a aliança da direita e dos setores ultraliberais que disputam, desorientados e sem coesão, os despojos do governo Temer. Ou seja, se os patíbulos midiático e justiceiro não forem suficientes para liquidar o simbolismo de figura de Lula, provavelmente não será sua prisão que o defenestrará do protagonismo do processo político e eleitoral.
IHU On-Line – Quais são as perspectivas políticas daqui para frente, considerando o resultado do julgamento?
Adriano Pilatti – Para além do destino do velho sertanejo e do partido que criou, o que mais preocupa é a onda de sentimentos, concepções, propostas e ações de essência politicamente autoritária e socialmente reacionária que está a montante. Nas esferas penal e de segurança pública, há toda uma agenda punitivista e repressiva, nos âmbitos legislativo, policial (aí incluída a superpolícia que se tornou o Ministério Público), militar, judicial e penitenciário, que se quer implementar. Na esfera sócio-econômica, quer-se criar condições políticas para consumar o assalto privatista aos direitos sociais, aos serviços públicos e ao patrimônio comum. As dificuldades de construção de uma ampla frente popular e democrática continuam enormes, até porque o partido fulminado pela blitz-krieg do “andar de cima” não abre mão de sua posição hegemônica e, por conseguinte, da “cabeça de chapa” presidencial. Mas também não está fácil para o campo conservador-reacionário.
Os movimentos sociais estão enfraquecidos, mas “as instituições continuam funcionando”: para os de sempre. A mobilização política dos militares também é um fator preocupante. Enfim, serão tempos muito áridos, com os “de baixo” na defensiva - sem projeto unificado, sem lideranças que os mobilizem, sem condições de passar para a ofensiva, enfrentando o fogo cerrado, a guerra de guerrilha em todos os espaços, das novas militância reacionárias. No campo popular, a hora é de diálogo, diálogo, diálogo.
Roberto Romano - Podemos chegar a um espetáculo que lembra o fim do Império Romano: líderes que conseguem agregar forças e se apossar do comando geral por alguns meses apenas. E depois virão outros líderes, e outros. Perderemos até mesmo a ficção do pacto constitucional que ainda oferece alguma garantia de sobrevida à sociedade civil. Não sou adepto de Cassandra, mas creio não ser o momento para as Polianas. Se não houver diálogo e bom senso de todos, os próximos anos serão de profundas trevas. E tal situação apenas prolonga o que vivemos desde o golpe de Estado que instaurou a suposta república brasileira. Vivemos sob golpes, e o Judiciário não foi a eles estranho, mas cúmplice.
Rudá Ricci – As perspectivas são bem ruins. O clima de chantagem e ameaças e, eventualmente, de ações diretas violentas contra lideranças sociais e políticos de esquerda deve se ampliar ou se consolidar como expediente de forças sociais com pendor fascista. Tais forças estão fora do sistema partidário (ou possuem pouca influência) e do campo institucional. São forças ainda não articuladas nacionalmente, mas que agem com motivações similares: impor sua vontade pela força ou ameaça de desestabilização política. Elas saíram vitoriosas. Evidentemente que as forças governistas ou anti-lulistas tentam diminuir o risco da ação do monstro que alimentaram. Parte dessas forças anti-lulistas que não fazem parte das hostes de extrema-direita nem mesmo entenderam o perigo que está posto neste momento. Perceberão em breve. Se não neste ano, com certeza terão uma noção do descontrole político do país em 2019.
Ivo Lesbaupin – A prisão de Lula não foi efetivada ainda, como eu disse, pois há possibilidade de recursos judiciais. Vamos ver o que acontece.
Mas, para além deste fato específico, há outras considerações que precisam ser feitas. Nós estamos vivendo, desde o impeachment de Dilma – aprovado sem que houvesse crime de responsabilidade – uma situação política que poderíamos chamar de Estado de Exceção. Leis que ferem diretamente a Constituição estão sendo aprovadas a toque de caixa por um Congresso que, em boa parte, as está votando com votos comprados pelo governo, como a grande mídia volta e meia revela. A Proposta de Emenda Constitucional - PEC do Teto dos Gastos, a Lei da Terceirização, a Reforma Trabalhista – que é na verdade uma contrarreforma – são leis que modificam a forma como a sociedade vai viver sem que isto tenha sido debatido com a própria sociedade, mudando a Constituição em sua essência. No caso da Reforma Trabalhista, por exemplo, voltamos atrás em um século, aos anos 1920.
Para ter qualquer valor, estas leis precisam ser submetidas ao veredito popular, a referendo. De uma Constituição Cidadã estamos passando a uma verdadeira Constituição para as Elites, em detrimento dos cidadãos, em detrimento da grande maioria da população. Por outro lado, universidades públicas sofrem invasão policial com truculência, sob pretexto de investigar possível corrupção, uma das quais resultou na morte do reitor. Isto certamente não é uma prática democrática. Lideranças camponesas, indígenas, defensores de direitos humanos têm sido assassinados e, agora, recentemente, uma vereadora, que teve uma votação significativa, foi executada.
É fundamental que os cidadãos possam se manifestar sobre estas leis que retiram direitos e que possam se manifestar livremente nas eleições, sem que a Justiça decida – a partir de critérios políticos – quem fica e quem será excluído do processo eleitoral. É preciso que o presidente atual possa ser investigado, se há provas contra ele. É preciso restabelecer a democracia plena neste país. E que ela não seja ameaçada por minorias que pretendem novamente tutelar a sociedade.
Bruno Lima Rocha – A perspectiva política é antecipada com o desastroso tuíte do comandante em chefe do Exército Brasileiro e a resposta do comandante da FAB. Estamos no terreno do imponderável e com um excesso de protagonismo de carreiras de Estado como procuradores e magistrados, e agora retornando no fator militar, senão como instaurador de um regime, mas sim como corpos profissionais que venham a interferir no processo político. A instabilidade é a marca desde o segundo turno de 2014 e continuamos no terceiro turno das últimas eleições.
Moysés Pinto Neto – Existe a ideia de que pode haver um arrefecimento da polarização, na medida em que Lula é uma espécie de ímã que atrai paixões fortes. É cedo ainda para dizer. Resta saber se a esquerda insistirá em Lula, cada vez com maior intensidade (como vem acontecendo), ou tentará reorganizar sua estratégia compondo alianças com o arco mais próximo, que envolve Ciro Gomes e, bem mais longe, Joaquim Barbosa e Marina Silva.
O cenário pessimista para a esquerda seria a repetição da eleição francesa: fragmentação, desacordo e derrota no primeiro turno seguido de um segundo turno com um candidato conservador ([Geraldo] Alckmin é até pior que [o presidente da França, Emmanuel] Macron) e outro fascista ([Jair] Bolsonaro equivale a [Marine] Le Pen). Por ora, não parece haver reação a isso.
A esquerda está atrelando as eleições de 2018 ao julgamento de Lula. Acredito que é possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo: estabelecer planos sem Lula para 2018 e ao mesmo tempo protestar contra o casuísmo imposto ao ex-presidente. Mas estou quase totalmente isolado nessa posição.
Robson Sávio – Caso aconteçam eleições, boa parte da população - desestimulada à participação eleitoral devido à criminalização da política, ao recrudescimento das disputas reais e simbólicas e à provável ausência de Lula -, deixará de participar do próximo pleito. Há pesquisas considerando esse cenário que apontam contingentes próximos de 50% nos índices de abstenções, votos brancos e nulos. Isso liquidará de vez a legitimidade de qualquer candidato eleito, a inviabilizar a construção de um pacto nacional para a superação da agudíssima crise institucional.
Ademais, eleições são necessárias, mas insuficientes para garantirem a retomada da democracia. Na ausência de Lula, há um imenso vácuo à ocupação legítima do poder, dado a inexistência de qualquer liderança política capaz de articular uma coalizão a construir saídas democráticas e constitucionais.
Nesse sentido, está cada vez mais evidente que o expurgo de Lula do processo eleitoral significa o aprofundamento da ruptura democrática, deixando o país numa encruzilhada perigosa: um governo de togados; de um "salvador da pátria" construído artificialmente pela mídia ou de generais. Nesses casos, o povo continuará fora do processo decisório. Considerando ainda o quadro de abissal desigualdade social, será possível manter uma democracia sem cidadania?
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Tensão e sombras após o julgamento do STF e a apressadíssima ordem de prisão de Lula. Entrevistas especiais com Adriano Pilatti, Roberto Romano, Rudá Ricci, Ivo Lesbaupin, Bruno Lima Rocha, Moysés Pinto Neto e Robson Sávio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU