10 Novembro 2017
Naomi Klein vem de um encontro com Yanis Varoufakis, que está em Barcelona para falar do conflito catalão. Estão de acordo em quase tudo: “Acredito que deveria se suprimir o artigo 155 e libertar as pessoas que foram encarceradas, realizar um processo democrático e que o conflito seja solucionado por meio da não violência”, disse, nesta manhã, na apresentação de seu último livro, Não basta dizer NÃO.
Também disse que Rajoy está praticando a doutrina do choque, que descreveu em seu segundo livro e que consiste em injetar políticas neoliberais, como a privatização ou a austeridade, aproveitando ou produzindo uma catástrofe que deixe a população aterrorizada. Pode ser um tsunami, uma crise financeira ou, aparentemente, a crise catalã.
Klein afirma que Rajoy criou “uma atmosfera de crise nacional permanente” e que se trata de uma estratégia premeditada “para desviar a atenção dos fracassos de seu Governo, centrando-se em uma retórica hipernacionalista”.
A canadense se declara defensora da autodeterminação dos povos e observa que seria inimaginável que o Governo de Justin Trudeau prendesse ao de Quebec por organizar um referendo independentista. Seu último livro é um manifesto urgente para enfrentar, justamente, as “políticas de choque”, com Donald Trump como modelo protagonista. Klein o considera uma espécie de obra de arte distópica, que nos mostra o mundo em que vivemos, levado a sua conclusão lógica e devastadora.
Como Adam Curtis, que esteve em Madri nesta semana, a famosa autora de Sem Logo pensa que a única maneira de combater a onda nacionalista passa por oferecer uma visão utópica do futuro, um plano que complemente a resistência (à guerra, aos cortes, às políticas de imigração), com um pacto entusiasmante que limpe o desencanto da população. Seus exemplos neste sentido são Bernie Sanders, Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista britânico, e Ada Colau.
A entrevista é de Marta Peirano, publicada por El Diario, 08-11-2017. A tradução é do Cepat.
O título do livro vem de uma conversa com Alexis Tsipras, justamente antes de ser eleito presidente da Grécia.
Tsipras estava seguro de que era o momento de dizer não, de opor resistência. No entanto, eu acredito que já não basta: necessitamos de nossa própria estratégia, nossas próprias soluções. E acredito que o que ocorreu na Grécia é um exemplo do perigo que corremos, caso não estabeleçamos uma visão alternativa de futuro e consigamos trazer o cidadão para esse lugar. Não basta estar furiosos contra as elites e resistir a um governo injusto. O grande triunfo do neoliberalismo foi nos convencer de que sem eles não há alternativa.
Nós ou o caos.
Exato. Sem nós é o caos: terrorismo, inflação, colapso econômico. Expulsão da União Europeia.
Você encontra essas visões alternativas em Bernie Sanders e Jeremy Corbyn.
Sim, mas também em certas políticas municipalistas. Acredito que a energia que Ada Colau colocou em Barcelona é uma política diferente, uma nova política, um novo espaço híbrido entre a política tradicional e os movimentos pelos direitos civis. Na Itália também, em nível municipal, há algumas alternativas, ao menos no que diz respeito ao tratamento dos refugiados. O prefeito de Palermo [Leoluca Orlando] é um grande exemplo: estar na primeira fila do que chamam uma crise de refugiados pode ser uma magnífica expressão de humanidade, solidariedade. Nos Estados Unidos, temos a Pittisburgh, Pensilvânia. Quando Trump disse publicamente que retirava os Estados Unidos do Acordo de Paris porque havia sido eleito por gente de Pittisburgh, não por gente de Paris, o prefeito de Pittsburgh declarou que, de fato, votaram em Hillary Clinton, e apresentou um plano de 100% energias renováveis para 2030.
Quanto aos estados, também há esperança. O partido verde holandês teve alguns promissores resultados nas últimas eleições [conquistaram 14 cadeiras em 2017] e é um exemplo de partido que não está centrado na personalidade de um líder. Por outro lado, Corbyn é muito mais um anti-líder, e quando cantam o hino em um estádio, fazem isto de maneira irônica. Parece um professor de geografia!
Disse que a resposta de Rajoy à crise entre Catalunha e o estado é um exemplo clássico de Doutrina do Choque. O que você quis dizer com isso?
Está claro que viu uma oportunidade de melhorar sua fortuna política, fazendo-se passar por um líder forte, mudando a conversa para o ultranacionalismo. Este é um terreno no qual claramente se sente muito mais cômodo e seguro de si mesmo, onde não se discute a economia, nem o desemprego, nem o fracasso de suas medidas. E está para se ver como aproveita o método, ainda não vimos o efeito que terá a longo prazo. O que está claro é que não está reduzindo o choque da população, mas, ao contrário, aproveita cada passo para aumentá-lo ao máximo possível.
Comparou o movimento independentista quebequense ao catalão, e disse que as medidas tomadas por Rajoy lhe parecem incendiárias e impensáveis em outros lugares. Contudo, sua crítica principal é à União Europeia.
Totalmente, porque é uma postura moralmente corrupta. Eu concordo com Varoufakis em que não é uma posição sustentável por parte da União Europeia. As fronteiras mudam e mudarão ainda mais, há outros movimentos independentistas. Tem que haver uma maneira de gerir isso, que não seja tomar partido pelo Estado, independentemente do que faça.
Você mesma disse, nesta manhã, que a União Europeia fez coisas que o próprio Trump não se atreveria a fazer, como deixar morrer dezenas de milhares de imigrantes em suas costas ou colaborar para que sejam mandados para lugares que são os mais parecidos que temos com os campos de concentração. Podemos esperar que defendam a autodeterminação da Catalunha, quando assimilaram e burocratizaram estes processos?
É verdade. A linhagem progressista do projeto europeu caiu em pedaços. E está há muito tempo caindo.
Há um futuro para a União Europeia?
Eu estou disposta a dar a Varoufakis uma oportunidade. Estão construindo um movimento para transformar a União Europeia. É muito entusiasmante.
E uma nova visão de futuro.
Exato. Hoje, eu aceitei fazer parte de seu gabinete de assessores.
A independência catalã também oferece uma visão, mas não é nova.
Dentro do projeto independentista catalão há mais de uma visão. E é perigoso assumir que aquela que agrada a você é a que irá prevalecer ao final. Não podemos vencer os nacionalistas sendo melhores nacionalistas que eles. Está ocorrendo com toda a Europa. Como [Jean-Luc] Mélenchon, vestindo-se com a bandeira, com este discurso de ser o mais francês dos franceses.
Que sentido tem criar novas formas, quando sabemos que a mudança climática irá mudá-las de maneira pouco democrática em um futuro não muito distante?
Sou descrente no que se refere à independência. Um movimento independente é excitante sempre que procure libertar a um grupo grande de pessoas, para recuperar o poder neste contexto de crise em que vivemos agora. Ser independente sem mais – ter suas próprias fronteiras – não muda o poder hegemônico do capital transnacional. Não muda seu destino, não muda o fato de que a mudança climática irá redesenhar essas fronteiras por você, não muda as desigualdades. Só se você muda estas estruturas, então, a independência será libertadora.
Pensar que a independência só pode o tornar forte contra os poderes transnacionais é uma fantasia perigosa. Especialmente agora que as pessoas carecem, desesperadamente, de algo que as faça recuperar o controle de suas vidas. Isso foi o que aconteceu com o Brexit, com Trump. Uma tentativa desesperada, de uma população desesperada em demonstrar que ainda podem ter poder sobre algo. O sistema está quebrado e você quer sair. Contudo, o que importa não é como você sai, mas, sim, o que faz depois.
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“Não podemos vencer os nacionalistas sendo melhores nacionalistas que eles”. Entrevista com Naomi Klein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU