21 Fevereiro 2017
Publicamos a seguir a Declaração do 1º. Encontro Ibero-americano de Teologia, realizado em Boston, EUA, de 6 a 10 de fevereiro de 2017.
Durante vários dias, teólogas e teólogos católicos de Ibero-América nos reunimos em Boston, Estados Unidos da América, com espírito ecumênico, inter-religioso, intercultural, integrador e solidário. A vocação eclesial nos leva a pensar, pesquisar, aprender, ensinar e a comunicar a riqueza da fé cristã, na Igreja e na sociedade. Partilhamos a vida, a oração, a Eucaristia, a reflexão e o diálogo, para fazer um discernimento, em comum, dos novos sinais dos tempos de nossa época global. Agora, queremos partilhar alguns frutos do nosso trabalho, com a comunidade eclesial e o público em geral.
Reconhecemos, com júbilo e alegria, que vivemos um momento favorável no desenvolvimento da teologia e na vida da Igreja, em geral. Cremos que vivemos um kairós eclesial a partir dos processos iniciados pelo Bispo de Roma, Francisco, primeiro pontífice proveniente da América Latina. Seus impulsos de renovação evangélica, expressos na necessidade de uma reforma, tanto das mentalidades como das estruturas da instituição eclesial em perspectiva sinodal, nos animam a nos perguntar por onde passa Deus em nossa história e que realidades se opõem a Ele. Nosso discernimento nos permitiu descobrir traços e sinais de uma história comum, a partir dos quais queremos olhar os desafios presentes e futuros desta época global em que vivemos. Assim, enfatizamos a importância de ver, a partir da Palavra de Deus proclamada na Igreja, a situação sócio-política e econômica de nossos países, como um lugar teológico fundamental, na qual a Igreja está chamada a inserir-se para acompanhar, como Povo Deus, os povos deste mundo.
Por isso, queremos discernir nossa presença como pessoas de fé, a partir da questão social desta época, caracterizada, no campo socioeconômico, pela existência de relações e sistemas de exclusão e inequidade; no campo sociocultural, pela necessidade de ir do pluricultural ao intercultural; e, no âmbito sociopolítico, pela urgência de consolidar o sistema democrático republicano e as formas emergentes da sociedade civil, que proponham um olhar mais humano deste mundo. Neste contexto, reafirmamos nossa opção pelos pobres e excluídos.
América Latina e o Caribe não é a região mais pobre em termos econômicos, mas continua sendo a mais desigual. A causa não está na renda nem na herança como na Europa e nos Estados Unidos, mas numa distribuição desigual dos recursos e das oportunidades, incluindo a concentração da propriedade da terra, que gera riqueza para uns poucos e pobreza para muitos. Urge, pois, uma teologia profética, que dessacralize os falsos deuses. Não podemos deixar de denunciar as causas econômicas e culturais da pobreza e devemos estar atentos às mediações sócio-políticas que se implementem para sua superação. Uma teologia profética inculturada supõe nos perguntarmos a partir de onde fazemos teologia e de que lado social nos situamos para compreender a realidade. Por isso, é necessário o discernimento crítico dos novos estilos "de corte neopopulistas" (DAp 74) que emergem por via democrática, nos distintos países da América.
Neste sentido, nos preguntamos pelo serviço que a teologia pensada, dita e escrita presta, em castelhano ou espanhol - no marco dos idiomas ibero-americanos e de todas as línguas da América que comunicam o Evangelho - à comunidade eclesial e, especialmente, ao magistério universal, juntamente com a concepção ou o modelo do mistério da Igreja, que o caracteriza e sustenta. Reconhecemos a importância numérica e sociocultural do uso do espanhol no catolicismo mundial. Nosso trabalho conjunto tem confirmado a necessidade de estreitar os vínculos pessoais e institucionais entre teólogas e teólogos latino-americanos de língua espanhola e portuguesa, espanhóis de língua castelhana e latinos da América do Norte. Promovemos uma teologia teologal e histórica, que saia a dialogar com as questões que concernem ao contexto sociocultural e eclesial ibero-latino-americano.
Movidos pelo Espírito que atua a partir das margens da Igreja e do reverso da história, cremos que as periferias são lugares teológicos que obrigam a teologia se perguntar: quando um povo é católico? Quando possui muitos templos ou quando tem pouca pobreza? Como consequência, ratificamos nosso compromisso iniludível com as irmãs e os irmãos nas periferias da sociedade, açoitados pela pobreza e por diversas formas de exclusão social, econômica, política e eclesial, que clamam, com urgência, a lutar por uma maior inclusão e integração. Isto exige uma fidelidade maior da instituição eclesial a Jesus de Nazaré, Messias libertador, Senhor da história e Filho de Deus. Reconhecemos que a pobreza injusta mata, porque gera formas de morte prematura que devemos combater. Somos gente de fé e que apostamos na prática da misericórdia com justiça. Nossa opção pelos pobres se insere na memória do sangue dos mártires da América, celebrando sua vida e recordando, que sua entrega pelo Povo de Deus, é luz que ilumina nosso labor teológico.
Diante da gravidade deste momento histórico, que clama por uma presença mais viva no seio de nossas comunidades, afirmamos a urgência de colaborar com a pastoral e a teologia do Papa Francisco. Apoiamos uma teologia que assume os conflitos e se move nas periferias. Da mesma forma que os pastores, os teólogos temos que ter cheiro de povo e de rua, por isso, cremos na necessidade de saldar a dívida pastoral que a teologia profissional ainda tem com nossos povos pobres. Neste contexto, a teologia precisa se impregnar de uma misericórdia que se nutra no Evangelho e que promova uma Igreja pobre e para os pobres, onde eles sejam sujeitos de sua própria história e nunca objeto de manipulações ideológicas, de ordem seja. Os pobres, muitas vezes vítimas da violência, precisam ser para nós lugares teológicos privilegiados, de modo que nosso compromisso não seja só de acompanhá-los, mas também de nos deixar evangelizar e transformar por eles, em um processo contínuo de conversão pastoral e missionária.
Reconhecemos que os processos de globalização têm permitido uma maior interdependência e intercâmbio entre pessoas e povos remotos. Entretanto, também vemos como hoje padecemos seus efeitos socioculturais. Por isso, observamos com perplexidade a globalização da indiferença e da indolência. Dedicamos especial atenção ao fenômeno das migrações, à precarização do emprego e à falta de oportunidades, engendrados por sistemas que não assumem a causa dos pobres e nem os consideram sujeitos de seus próprios processos. Entramos em uma nova etapa mundial, que alguns denominam como desglobalização, caracterizada pela inabilidade de nos relacionar como sujeitos, de tu a tu, em relações humanizadoras recíprocas.
Cremos que os migrantes são um grande sinal de nosso tempo. Neles, nós os cristãos estamos chamados a reconhecer o rosto e a voz de Jesus (Mt 25,35) e a responder desde as seguintes claves: a afirmação da dignidade de todo ser humano, a promoção de uma «cultura do encontro», a prática da fraternidade, a hospitalidade e a compaixão. As migrações nos convidam a construir processos de interculturalidade como elemento chave de nossa reflexão teológica. A presença de múltiplas culturas em nossos países exige o reconhecimento profundo da alteridade, abraçando com amor as riquezas que nos presenteiam nossas diferenças e ampliando permanentemente o horizonte de nossas teologias. Isto supõe um aprendizado recíproco nas experiências diárias e exige a disponibilidade constante à mudança de mentalidade, a partir de nossa inserção no mundo da vida dos pobres.
Nossas práticas não podem continuar reproduzindo formas de dominação, como aquelas marcadas pelo clericalismo, que não respeita as leigas e os leigos. A rigidez institucional opaca a imagem misericordiosa do Deus de Jesus e freia os processos necessários de conversão pastoral da Igreja. A este respeito cabe destacar o valor de nossas teologias contextuais, como aquelas feitas por mulheres, indígenas e afro-americanas, entre outras, sujeitos que têm sido marginalizados da vida social e eclesial. Seu compromisso pela libertação de nossos irmãos, vítimas da marginalização, tem dado particular ênfase às lutas e sofrimentos que têm padecido. Assim, destacamos o labor feito pelas teólogas, que nos convidam a olhar, com um maior compromisso, a natureza e as causas da opressão das mulheres, permitindo assim uma concepção mais adequada do tipo de transformações que nossas sociedades requerem, para um desenvolvimento pleno e autenticamente cristão de todos.
Destacamos as contribuições da teologia latina nos Estados Unidos, como uma forma de pensar a opção preferencial pelos pobres e a defesa da identidade religiosa e cultural das comunidades latinas que são discriminadas, muitas vezes, não só na sociedade como também nos espaços eclesiais. Recolhendo as contribuições da teologia latino-americana, esta teologia tem sabido prestar atenção a temas chaves da experiência de latinas e latinos nos Estados Unidos, destacando-se a mestiçagem, a religiosidade popular, em particular em suas expressões marianas, e a experiência do cotidiano. Cremos que, somente reconhecendo as raízes socioculturais e religiosas destas pessoas em povos latino-americanos, a Igreja nos Estados Unidos e Canadá poderá responder pastoralmente a este novo desafio. Neste sentido, urge uma melhor preparação e sensibilidade dos ministros e todos os agentes de pastoral.
Estas considerações assinalam que a reforma sinodal de toda a Igreja, na complexidade de suas diversas instâncias e na fidelidade criativa ao espírito do Concilio Vaticano II, constitui um pressuposto iniludível para conceber a vida, a missão e a teologia das comunidades eclesiais. Como teólogas e teólogos ibero-latino-americanos, apoiamos com esperança e colaboramos com o processo de reforma de mentalidades e de estruturas, impulsionado pelo atual Bispo de Roma.
O Povo de Deus é uma comunidade de discípulos missionários chamado, em uma dinâmica de saída e entrega, a testemunhar e a anunciar o Evangelho, guiado pelo Espírito Santo. Somente uma instituição espiritualmente mais evangélica, teologicamente mais consistente e pastoralmente mais aberta à diversidade sociocultural e religiosa, poderá responder ao desafio de trabalhar pela justiça, a paz e o cuidado da casa comum, a partir de uma genuína atenção aos mais pobres e excluídos de nossa época.
Maria, particularmente a imagem e o nome da Virgem de Guadalupe, Padroeira da América, acompanha nossa caminhada.
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“Como os pastores, também nós, teólogos, temos que ter o cheiro do povo e da rua”. Declaração do 1º. Encontro Ibero-americano de Teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU