Por: Lara Ely | 01 Novembro 2017
O caminho aberto pela cientista Marie Curie no começo do século passado, ao descobrir dois novos elementos químicos da tabela periódica, representou muito mais do que uma revolução no meio acadêmico: marcou o começo da participação feminina na ciência. Como primeira mulher a receber o diploma de doutora pela Sorbonne e o Prêmio Nobel de Química, ela mal poderia imaginar que, passados mais de cem anos, a ocupação do campo científico pelo sexo feminino seria ainda tão lenta.
Em pleno 2017, as estatísticas confirmam que, mesmo qualificada, a presença feminina na pesquisa é comprovadamente inferior à dos homens – mulheres recebem menos incentivos à produtividade, suas áreas de concentração são, de modo geral, restritas às Ciências da Vida e da Saúde e são minoria nos cargos de gestão. Esse foi o ponto de partida do evento IHU Ideias - “Mulheres na Ciência Hoje: Desafios e Perspectivas”, que ocorreu na última quinta-feira (26-10-17), contando com a participação da médica ginecologista Maria Augusta Maturana e da psicóloga Fernanda Barcellos Serralta.
Para mapear os espaços ocupados por mulheres, a doutora em Ciências Médicas Maria Augusta Maturana apresentou dados do relatório Women in Science publicado recentemente pela UNESCO , que demonstra que 28,8% dos pesquisadores do mundo são mulheres. Dados desse mesmo relatório demonstram que as mulheres publicam menos artigos, têm menos colaborações internacionais, menor mobilidade acadêmica, atuam mais em pesquisas interdisciplinares e apenas 14% são inventoras listadas em patentes.
Ao analisar dados de estudos do MEC e Unesco, Maria Augusta Maturana mostrou que a presença feminina ainda é menor do que a masculina
A desvantagem histórica quanto à escolaridade vem sendo vencida: gráficos do Ministério da Educação - MEC apontam que, em número de matrículas e conclusão de curso, moças são mais presentes do que rapazes. O público feminino supera o masculino tanto em discentes matriculados quanto titulados. Mostra, ainda, que elas têm melhores indicadores educacionais desde a educação básica e sua presença em cursos de mestrado e doutorado está subindo. A quantidade de pesquisadoras no Brasil, que há 15 anos era 40% do total, hoje equiparou-se em 50%.
Porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido: dados da Unesco mostram que apenas 28,8% dos cientistas do mundo são mulheres, elas publicam menos artigos, têm menos colaborações internacionais, menor mobilidade acadêmica, atuam menos em pesquisas interdisciplinares e apenas 14% são inventoras listadas em patentes.
Outra estatística que chama a atenção é a análise de produtividade a partir das bolsas informadas no Currículo Lattes concedidas entre 2000 e 2013. Ali, nota-se que as mulheres alcançam o topo mais velhas – enquanto os homens despontam na carreira mais jovens. A cada 10 bolsas de produtividade de nível máximo, sete são para homens e três para mulheres. O estudo mostra que elas compõem apenas 13% da Academia Brasileira de Ciências, e de 58 universidades federais, 13% têm os altos postos ocupados por reitoras.
“Embora se note um crescimento, ainda são minoria em várias áreas, há segregação horizontal de gênero (elas estão sub representadas) e estão fora dos níveis mais elevados e posições administrativas (segregação vertical)", diz Maria Augusta, antes de concluir dizendo que faltam exemplos em quem as meninas possam se espelhar.
O que impede, portanto, o desenvolvimento da carreira acadêmica de mulheres com famílias, e como pensar em uma academia mais amigável para mães cientistas? A partir desse questionamento, a psicóloga Fernanda Barcellos Serralta, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos, conduziu sua fala para dizer que não existe fórmula exata nem momento certo para as mulheres conciliarem a vida pessoal, incluindo a maternidade, com o trabalho em meio à pesquisa.
É preciso arriscar e saber delegar: o momento certo para conciliar carreira, vida familiar e atribuições de pesquisadora é diferente para cada uma. Segundo ela, “o telhado de vidro que impede a pesquisadora de crescer na profissão não é uma questão de ponto de vista, e sim uma realidade estatística”, afirmou, referindo-se aos fatores sociais, históricos e políticos que tornam as mulheres menos “favorecidas” no mundo do trabalho e da ciência.
Para a psicóloga Fernanda Barcellos Serralta, é preciso que as mães-pesquisadoras adotem estratégias como adaptar-se a novas formas de trabalho
É preciso tratar as coisas como são. Fernanda afirmou que “há diversos preconceitos que impendem o desenvolvimento das mulheres e que as condições da maternidade limitam mais do que aos homens”.
Algumas estatísticas trazidas por ela reforçam a ideia de que o preconceito e a diferença de gênero estão ainda associados a aspectos familiares: mulheres que trabalham têm menos filhos do que aquelas que não trabalham; taxa de fecundidade é inversamente proporcional à presença no mercado de trabalho; mães profissionais bem-sucedidas avaliam que a sua família é menor do que o ideal e mulheres bem-sucedidas adiam ou reduzem projeto de maternidade.
“O sucesso vai depender do parceiro, dos chefes, da filosofia institucional do local onde trabalhamos, além do apoio de colegas e da nossa capacidade de fazer escolhas planejadas”, afirma a psicóloga, mãe de três filhos, que iniciou a maternidade aos 37 anos.
Para propor soluções que permitam avançar no debate, Fernanda trouxe depoimentos de mães que são cientistas, sobre como elas fazem para viabilizar seus estudos: algumas sacrificam a licença-maternidade, outras contam com o apoio dos maridos, contratam babás ou apostam em jornadas reduzidas de trabalho. Resumindo: é preciso flexibilidade e adaptação, mudança de foco, saber pedir ajuda e, muitas vezes, alterar rotinas de trabalho, criando um ambiente favorável para que as demandas do trabalho não se sobreponham às da vida familiar.