28 Março 2017
“Caso não se conjuguem simultaneamente os esforços para reverter as causas profundas da migração forçada, de uma parte, e a assistência ao migrante, de outra, esta última se converte em numa tentativa de apagar o fogo soprando na fumaça”, constata Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais, em artigo publicado pelo blog da Revista Espaço Acadêmico, 25-03-2017.
Eis o artigo.
Na audiência dos participantes do VI Fórum Internacional sobre Migração e Paz com o Papa Francisco, no dia 21 de fevereiro de 2017, em Roma, o Pontífice em seu discurso apresentou, entre outras coisas, quatro verbos que podem ser considerados como uma espécie de programa para a Pastoral dos Migrantes: acolher, proteger, promover e integrar. Em seguida, o Santo Padre afirmou que conjugar esses quatro verbos, no singular ou no plural, implica, para com os que são forçados a deixar sua terra natal, um dever de justiça, por um lado, e um dever de solidariedade, por outro.
Desnecessário lembrar que, em termos concretos, cada um desses verbos pode desdobrar-se em uma série de projetos e atividades especialmente nos países de trânsito e de chegada. Por sua vez, os deveres de justiça e de solidariedade voltam-se sobretudo para uma política de desenvolvimento integral nos países de origem, no sentido de impedir a migração compulsória. De fato, uma grande maioria dos migrantes, refugiados e prófugos nada mais faz do que escapar da pobreza, da violência e da guerra, numa fuga às vezes desesperada e com mínimas possibilidades de retorno. Por isso, se migrar é um direito, também o é aquele de permanecer no país de nascimento, com uma cidadania digna assegurada.
Não será ocioso confrontar esses quatro verbos com o chamado “credo histórico” do Povo de Israel, em suas duas versões: uma mais remota, em Ex 3,7-10; e outra mais elaborada, em Dt 26, 5-10. Os dois textos bíblicos combinados, como as palavras do Papa, apresentam quatro formas verbais, todas na primeira pessoa do singular e todas colocadas na boca de Deus: eu vi a miséria do meu povo no Egito; ouvi o seu clamor por causa de seus opressores; conheço o seu sofrimento; e desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para conduzi-lo a uma terra fértil e espaçosa “onde corre leite e mel”. Também neste caso não seria difícil, com os quatro verbos, forjar um programa eficaz para a Pastoral junto aos Migrantes.
Olhando mais de perto. As três primeiras formas verbais dos livros do Êxodo e Deuteronômio se concentram na análise do fenômeno, que pode ser tanto a escravidão no Egito quanto o deslocamento massivo dos migrantes nos dias atuais: ver, ouvir, conhecer. Já o último verbo bíblico e os quatro utilizados pelo Pontífice apontam para a ação: descer, acolher, proteger, promover e integrar. Não seria exagero afirmar que o verbo “descer” faz a ponte entre a teoria e a prática. Depois de aprofundar as causas, consequências e implicações do fenômeno (escravidão e/ou migração), é preciso descer em campo: passar concretamente aos programas e ações. Teoria e prática se entrelaçam e se iluminam reciprocamente.
Mas o “descer” conjuga-se igualmente com o “dever de justiça e de solidariedade” apontados pelo Papa. Descer para libertar o povo escravo – diz o texto bíblico – e através do deserto levá-lo à Terra Prometida. Em outras palavras, além de uma boa assistência no trânsito e no destino, faz-se necessário combater o mal pela raiz. Daí a preocupação com a justiça e a solidariedade nos países de origem. A acolhida ao migrante complementa-se com uma ação socioeconômica e político-cultural que possa transformar as relações nacionais e internacionais, bem como as assimetrias que didivem “os ricos cada vez mais ricos às custas dos pobres cada vez mais pobres”, como já dizia o Papa João Paulo II, em discurso no México.
Caso não se conjuguem simultaneamente os esforços para reverter as causas profundas da migração forçada, de uma parte, e a assistência ao migrante, de outra, esta última se converte em numa tentativa de apagar o fogo soprando na fumaça. Um exemplo, também este levantado diversas vezes pelo Santo Padre: quem fabrica e quem vende as armas utilizadas nas guerras intestinas de países da África, do Oriente Médio e da Ásia? Em outras palavras, quem lucra com tais conflitos? Ou ainda, de que forma os governos desses países tornam-se, não raro, correias de transmissão para a transferência de renda e recursos naturais que vão enriquecer ainda mais os mega-especuladores financeiros dos paraísos fiscais e dos países centrais? Entra-se aqui no núcleo temático da Carta Encíclica Populorum Progressio, publicada há exatos 50 anos, pelo então Papa Paulo VI. “O desenvolvimento integral é o verdadeiro nome da paz”.
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Quatro verbos em favor dos migrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU