17 Novembro 2011
Costas Isychos, membro da secretaria política do partido grego Synaspismos, assinala que está havendo um retrocesso da Europa para o século XIX, com 14 horas de trabalho diário e um salário que não chega ao final do mês. O povo observa a lição argentina.
Os comunistas e a coalizão da esquerda radical grega não darão o voto de confiança no Executivo do novo primeiro-ministro grego, o banqueiro Lucas Papademos. O PC e o Synaspismos são os únicos partidos com representação parlamentar que de jeito nenhum vão pactuar com esse OVNI político que tem a forma de um Executivo a mando de um banqueiro que nunca concorreu nas urnas e no qual o partido da extrema direita grega, Laos, com apenas 15 cadeiras, entrou com um ministro, duas secretarias de Estado e um vice-ministro.
Costas Isychos, membro da secretaria política do Synaspismos, evoca nesta entrevista a tragédia social que a Grécia vive, o temor da população de que se repita ali a hecatombe argentina e desenvolve a ideia segundo a qual a Grécia está sendo uma espécie de laboratório neoliberal no sul da Europa.
A entrevista é de Eduardo Febbro e está publicada no jornal argentino Página/12, 15-11-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Estamos no quarto país da Europa que perde um governo eleito sob o golpe da crise e no qual estão organizando um outro dirigido por banqueiros. Um mal comum que desembocou em cada caso em uma resposta similar.
Hoje estamos escutando da boca de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy que as eleições são perigosas. Essas coisas podiam ser ouvidas na década de 70 e 80 na América Latina, mas escutá-las na Europa em 2012 é outra coisa. Em resumo, a receita é comum em toda a Europa: Estados mais autoritários, mais selvagens, pacotes de austeridade que condenam ao desemprego e à fome a grande maioria dos povos. Estão nos condenando a uma vida que se parece muito mais com a Europa do século XIX: jornadas diárias de trabalho de 14 horas, um salário que não ultrapassa os 500 euros, o que é uma miséria porque é preciso levar em conta que na Grécia um litro de leite custa três euros. Por isso temos números alarmantes, que se parecem àqueles que a Argentina tinha na década de 1990: 20% de desemprego, 48% de desocupação entre os jovens de menos de 35 anos e 9% dos jovens que querem sair do país. Estamos em uma profunda e perigosa crise. Os aposentados, os empregados perderam quase 50% de seus ganhos devido às leis votadas pelo governo socialista do Pasok. O ex-primeiro-ministro Giorgos Papandreu implementou uma política de austeridade selvagem.
A Grécia é um país que sofre a intervenção do FMI, do Banco Central Europeu, da União Europeia e também de dois dirigentes políticos que se mostraram muito agressivos, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy. Essa dupla já tem um apelido na Europa: Merkozy.
Sim. Merkozy é atualmente o núcleo político que está ordenando todas as políticas neoliberais que estão sendo implementadas na periferia da Europa, nos chamados Estados "porcos", ou seja, Portugal, Itália, Grécia e Irlanda. Por outro lado, creio que vão entrar outros, inclusive a França. Mas, o concreto é que, neste momento, a Grécia é o laboratório ultraliberal na Europa. Nosso novo primeiro ministro, Lucas Papademos, é uma pessoa que ao longo de toda a sua vida cumpriu com seus deveres de servir o capital financeiro especulativo. Não tem nenhum programa conhecido, a única coisa que se diz é que a Grécia tem que seguir por este caminho ultraliberal. Deve-se ter em conta que estamos vivendo um momento histórico em que podemos retroceder 150 anos ou voltar a ter revoluções populares, muito parecido com o que aconteceu no norte da África. As pessoas não querem que a vida mude de uma maneira tão brutal. Creio que veremos lutas históricas na Europa. Na Grécia, as pessoas têm medo de que aqui se repita a experiência neoliberal da Argentina dos anos 90 com todas aquelas políticas pró-mercado que levaram ao abismo e à destruição da Argentina. Mas dessa experiência argentina também ficou uma lição positiva: as pessoas sabem aqui que o povo pode derrubar governos que estão a serviço do capital financeiro. Por isso em muitas das manifestações que há na Grécia, as pessoas saem às ruas com bandeiras da Argentina. O povo grego sabe que é possível derrubar este mundo selvagem e neoliberal que nos aterroriza.
Finalmente, se olhamos os casos da Grã-Bretanha, Espanha e Grécia, constatamos que o socialismo europeu foi mais liberal que os próprios liberais.
É verdade. Temos uma mutação ideológica e política da social-democracia europeia. Deve-se saber que o ex-primeiro-ministro Giorgos Papandreu continua sendo o presidente da Internacional Socialista! A social-democracia europeia passou por um caminho ultraliberal com privatizações e diminuição dos salários dos trabalhadores. Tudo o que tem a ver com o Estado, com as políticas públicas, com as políticas sociais, a saúde pública, a educação, está desaparecendo do mapa ideológico, político e programático da social-democracia grega e europeia. Mas estou convencido de que com tudo o que aconteceu na Grécia, aqui vai nascer um movimento sólido, antiliberal e progressista que será capaz de mudar as coisas neste país.
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Grécia, laboratório neoliberal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU