01 Junho 2012
"No lugar das usinas nucleares planejadas pelo governo, várias combinações de fontes renováveis são possíveis, todas elas com custos de investimento inicial de cerca da metade da opção nuclear", escrevem Joaquim Francisco de Carvalho, pesquisador associado ao IEE/USP, doutor em energia pela USP, ex-diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) ex-presidente da comissão criada pela presidência da República para avaliar o acidente com Césio-137, em Goiânia, e Ildo Luís Sauer, diretor do Instituto de Energia e Eletrotécnica - IEE/USP, PhD em energia nuclear pelo MIT e ex-diretor de Energia e Gás da Petrobrás, em artigo publicado no jornal Valor, 01-06-2012.
Segundo os pesquisadores, "se o potencial elétrico renovável fosse aproveitado de maneira inteligente, os brasileiros teriam energia elétrica por custos dos mais baixos do mundo, o que, entre outros benefícios, daria um grande poder de competitividade à nossa indústria, compensando, em parte, o chamado "custo Brasil".
Eis o artigo.
O acidente de Fukushima aconteceu 25 anos depois do de Chernobyl (ex-União Soviética, atual Ucrânia), que aconteceu sete anos depois do de Three Mile Island (Estados Unidos).
Essa sequência de acidentes jogou por terra as conclusões do mais importante estudo sobre segurança de reatores nucleares, segundo o qual a probabilidade de acidentes graves em centrais nucleares é tão pequena, que só a cada 35 mil anos poderia acontecer um. A metodologia desenvolvida nesse estudo - que foi feito em 1975, por um grupo dirigido pelo professor Norman Rassmussem, do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT) para a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos (Relatório Wash 1400) - serviu de base para as análises de segurança de praticamente todas as centrais nucleares desde então implantadas no mundo.
Não existe máquina infalível nem obra de engenharia 100% segura. Haja vista os inúmeros acidentes de avião, automóvel e trem que acontecem pelo mundo. Entretanto os acidentes nucleares têm dimensões que os outros não têm. Eles se propagam pelo espaço - continentes inteiros - e pelo tempo - décadas, senão séculos.
Um desastre de avião, por exemplo, atinge diretamente os passageiros e, por mais traumático que seja, este tipo de acidente termina no local e no instante em que acontece. Um acidente em central nuclear apenas começa no instante e no local em que ocorre. Alguns anos depois centenas de pessoas em regiões inteiras sofrerão males induzidos por exposição a radiações ionizantes. E em algumas décadas crianças nascerão com aberrações cromossômicas e desenvolverão leucemia e desordens endócrinas e imunológicas, provocadas pela absorção, por seus genitores, de doses de radiação acima do tolerável, como acontece até hoje em consequência do acidente de Chernobyl com a população que permaneceu nas cidades próximas.
O Brasil não precisa correr risco semelhante, porque dispõe de abundantes recursos energéticos renováveis e capacidade técnica para aproveitá-los.
De fato, em adição aos 100 GW de potencial das grandes hidrelétricas que já estão em operação ou em implantação, ainda restam por aproveitar 150 GW. Além disso, há o potencial das pequenas hidrelétricas, que é de 17 GW. E ainda há o potencial resultante da modernização das usinas em operação e da racionalização do uso da energia.
O potencial eólico avaliado em 2001 era de 143 GW, para turbinas encontradas no mercado, instaladas em torres de 50 metros. Com o desenvolvimento de turbinas mais eficientes e torres mais altas, esse potencial é estimado em 300 GW.
Para as térmicas a bagaço-de-cana, o potencial é de 15 GW. Há, ainda, a opção fotovoltaica, que já é uma realidade em países tecnologicamente avançados.
No lugar das usinas nucleares planejadas pelo governo, várias combinações de fontes renováveis são possíveis, todas elas com custos de investimento inicial de cerca da metade da opção nuclear. Ademais, é evidente que as alternativas renováveis prescindem de combustíveis, ao contrário das usinas nucleares, que consomem montanhas de minério de urânio e, ao final de suas vidas úteis, deixam a herança dos combustíveis irradiados, que, devido à sua alta radiotoxidade, requerem tratamento especial e uma estocagem sob vigilância 24 horas por dia. A estocagem pode durar de centenas de anos, se os combustíveis forem desmontados e reprocessados, até milhares de anos, se forem guardados tal como saem dos reatores. Tudo isso sob rigorosa vigilância de forças policiais especialmente treinadas, para evitar que grupos anarquistas ou terroristas se apropriem desses materiais.
Tal vigilância é muito onerosa e contribui para aumentar o custo da energia nuclear. Aliás, nos recentes leilões promovidos pelo governo, a energia hidrelétrica e a energia eólica foram negociadas pela metade do preço calculado para energia nuclear - apesar de ser esta favorecida por importantes subsídios.
Se, por motivos sociais, ambientais e políticos, aproveitarmos apenas 70% da capacidade hidráulica ainda por explorar na Amazônia, 80% da capacidade das demais regiões e 50% da capacidade eólica, poderemos estruturar um sistema interligado inteligente ("smart grid") capaz de oferecer anualmente cerca de 1,4 bilhão de MWh a partir de fontes inteiramente renováveis, o que será suficiente para atender a uma demanda per capita da ordem de 6.600 kWh (semelhante ao padrão atual da Alemanha) na década de 2040, quando, segundo o IBGE, a população estará estabilizada em 215 milhões de habitantes.
Há uma tendência natural de complementaridade das disponibilidades energéticas entre os ciclos hídrico e eólico no Brasil. Além disso, uma eventual complementação com usinas térmicas, com suprimento flexível de gás natural, para operação em períodos hidroeólicos críticos, permitiria aumentar a confiabilidade e reduzir custos.
Se o potencial elétrico renovável fosse aproveitado de maneira inteligente, os brasileiros teriam energia elétrica por custos dos mais baixos do mundo, o que, entre outros benefícios, daria um grande poder de competitividade à nossa indústria, compensando, em parte, o chamado "custo Brasil".
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O Brasil não precisa de mais usinas nucleares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU