04 Fevereiro 2013
O que há de mais normal do que um concílio incompleto, se considerarmos que ele é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada e um ponto de partida?
A opinião é de Jean Rigal, padre da diocese de Rodez, França, teólogo especialista em problemas da Igreja. Foi professor de eclesiologia por 25 anos na faculdade de teologia de Toulouse. Entre suas últimas obras, Ces questions qui remuent les croyants (Lethielleux, 2011) e Une foi en tranhumance (Desclée 2009).
O artigo foi publicado no sítio Vatican2milledouze.org, 25-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O título é interrogativo. No entanto, o que há de mais normal do que um concílio incompleto, se considerarmos que ele é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada e um ponto de partida? O Vaticano II continua incompleto em dois planos: com relação ao seu ensinamento e com relação à sua aplicação.
1. Com relação ao ensinamento do concílio
É bem sabido que o ensinamento do Vaticano II sofre de um problema de articulação entre diversos componentes da estrutura da Igreja. Pense-se na noção de "povo de Deus" e na sua relação com a Igreja hierárquica, na articulação "primado-colegialidade episcopal", na relação entre Igreja universal e Igrejas locais, no lugar dos "ministérios dos leigos" na missão da Igreja (cf. Lumen Gentium).
Nas críticas correntemente formuladas, a falta de colegialidade chega ao primeiríssimo plano. A preocupação do Vaticano II – ao menos para a maioria dos padres conciliares – consistia em reequilibrar os poderes que cabiam ao papa e os que cabiam aos bispos. Incontestavelmente, o concílio abriria uma brecha no dispositivo incrivelmente monárquico do segundo milênio. A minoria temia que o reconhecimento da colegialidade do episcopado chegasse a minar a autoridade do bispo de Roma. Finalmente, o Vaticano II afirmou e proclamou a colegialidade episcopal com termos sem ambiguidade. É abertura importante.
No entanto, o texto, visivelmente sobrecarregado de adições, ficou muito impregnado do espírito do Vaticano I. Duas visões eclesiológicas se superpõem: uma, jurídica e piramidal, com o pontífice romano à frente da Igreja (e não só do Colégio Episcopal), e outra, mais centrada sobre a Igreja-comunhão, em que se expressa a complementaridade dos ministérios e dos carismas. É útil recordar que o Papa Paulo VI, que presidiu três sessões do concílio, estava obcecado com a busca da maior unanimidade possível sobre todos os textos conciliares.
Essas dificuldades de articulação envolvem consequências institucionais. O Vaticano II justificaria um duplo poder supremo na Igreja: de um lado, o do Colégio dos Bispos em comunhão com o bispo de Roma, e, de outro lado, o do chefe do Colégio Episcopal, poder que o papa "pode sempre exercer livremente". Seria diferente se a colegialidade episcopal fosse claramente fundamentada na colegialidade de toda a Igreja. Mas não é o caso.
Outro documento, muito importante, deve atrair a nossa atenção. "A Igreja no mundo atual" (Gaudium et Spes). Esse texto se opõe vigorosamente contra a concepção de uma Igreja curvada para si mesma, doutrinária, arrogante, autossuficiente. A comunidade dos cristãos se volta com simpatia para o mundo atual para conhecer e entrar em diálogo mútuo com ele. Trata-se realmente de um documento maior do concílio, que abre amplas perspectivas. Mas, forçosamente, demanda uma reatualização (o mundo evolui em alta velocidade) e impõe o estudo de questões inteiramente novas: por exemplo, a globalização, a bioética, o desenvolvimento da tecnologia, o crescimento demográfico, a proteção do meio ambiente etc.
2. Com relação à aplicação do concílio
O concílio também é um ponto de partida. A sua recepção não foi alcançada. Deveríamos dizer que ela recém começou?
Hoje, os excessos da centralização romana são frequentemente denunciados. Eles afetam os sínodos dos bispos que se reúnem em Roma a cada três anos. Um exemplo recente: o sínodo de outubro de 2008, sobre "A Palavra de Deus". Na sua exortação apostólica, Bento XVI não retomou o desejo explícito dos bispos para que ele estabelecesse para as mulheres "o ministério instituído do leitorado" (Proposição 17). Essa foi a única reforma institucional proposta pelo sínodo. Foi deliberadamente descartada. Isso já havia acontecido a propósito dos divorciados em segunda união, na conclusão do sínodo dos bispos de 1980. As sugestões para que nos inspirássemos na prática das Igrejas ortodoxas não foram acolhidas por João Paulo II.
Voltando no tempo, constatamos que os grandes problemas postos no nível da Igreja universal são tratados e resolvidos pela autoridade romana. O cardeal Quinn, ex-presidente da Conferência Episcopal Norte-Americana, declarou: "A Cúria Romana se considera como subordinada ao papa, mas superior ao Colégio dos Bispos". Não admira, nessas condições, que a Cúria tema sobretudo a reunião de um concílio em que os bispos encontrem temporariamente o pleno exercício da colegialidade.
Na linha da prioridade dada à comunidade eclesial, ou ao "nós" dos batizados, o regime de consulta se desenvolveu fortemente na Igreja Católica. Os conselhos pastorais, as equipes pastorais, os conselhos econômicos, as capelanias e outras responsabilidades exercidas por leigos se multiplicaram ao longo das últimas décadas. Só podemos nos regozijar com isso. A busca deve continuar para que cada um encontre o seu lugar, no reconhecimento mútuo das funções e dos carismas.
Enfim, no espírito da constituição Gaudium et Spes, um trabalho imenso ainda deve ser realizado ou continuado com relação às "mudanças culturais" que sacodem a nossa sociedade. Ou o Evangelho alcança o mundo atual tal como ele é, para o esclarecer, o interrogar, o estimular, ou continuará sem voz.
No dia seguinte ao Vaticano II, o padre Congar declarava: "O trabalho realizado é fantástico. Porém, tudo resta a fazer".
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Vaticano II: um concílio incompleto? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU