Por: Jonas | 01 Setembro 2015
“A Guerrilha de Porecatu foi o pontapé inicial da organização camponesa”, afirmou Osvaldo Heller da Silva, professor de sociologia rural da Universidade Federal do Paraná, durante a 5ª etapa do curso Lutas Populares no Paraná, que ocorreu no último sábado, dia 29 de agosto, na Casa do Trabalhador. Inicialmente, os participantes foram sensibilizados com uma mística que teve como pano de fundo a belíssima música Assentamento, de Chico Buarque. Em cada etapa deste ciclo de estudo promovido pelo CJCIAS/CEPAT, em parceria com o Centro de Formação Milton Santos – Lorenzo Milani e o apoio do IHU, fica evidente o quanto é importante retomar a memória da luta e resistência das classes populares, uma vez que as elites econômicas procuram impor a sua visão da história, em detrimento dos interesses das grandes maiorias. Sendo assim, falar sobre a Guerrilha de Porecatu é alimentar, nos dias atuais, a utopia camponesa da terra prometida, sua busca pelo direito de viver da terra, em um esforço de revalorizar a memória dos que lutaram e morreram por esta causa.
O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.
O município de Porecatu fica localizado na região norte do Estado do Paraná. Toda essa região, a partir do final dos anos 1930, passa a ser ocupada por homens e mulheres que migram de outras regiões do país em busca de novas condições de vida, sonhando com a possibilidade de conquistar um novo pedaço de terra, sendo que grande parte destas pessoas chega ao Paraná incentivada pela própria política de Getúlio Vargas, aqui representada pela atuação do interventor Manoel Ribas. Ocorre que com a queda de Getúlio Vargas e do Estado Novo, em 1945, e a ascensão de outro grupo político no Paraná, nucleado pelo governador Moisés Lupion, as elites agrárias ganham força, forçando o estabelecimento de uma nova divisão de terras. Disto resulta um conflito dos camponeses posseiros, apoiados pelos militantes comunistas, com os fazendeiros, grileiros e seus jagunços, apoiados pelo aparelho coercitivo do estado.
Esta configuração fez com que o norte do Paraná (nos perímetros de Jaguapitã, Guaraci, Centenário do Sul e Porecatu), em fins dos anos 1940 e inícios dos anos 1950, vivesse uma experiência de luta e resistência que, segundo Osvaldo Heller da Silva, desembocou em “um conflito armado sem precedentes na história do estado”. Para que isto ocorresse, foi fundamental o envolvimento direto do Partido Comunista do Brasil (PCB) neste processo. Da união entre camponeses e comunistas surgiu um movimento organizado de resistência, capaz de utilizar estratégias de luta armada. Com isso, o PCB também dava cumprimento às decisões que assumiu, a partir do Manifesto de Agosto de 1950, de radicalizar sua posição à esquerda, conclamando a população para a criação de uma Frente Democrática de Libertação Nacional.
Quando se percebeu que os camponeses dominavam esta região do estado, a resposta das forças do aparelho estatal foi de grande intensidade. O estado paranaense mobilizou uma grande operação militar, envolvendo tropas policiais e contando com o auxílio de segmentos da Aeronáutica. Aos poucos, tais atores foram cercando os camponeses rebeldes, além de executarem a prisão estratégica de vários dirigentes do PCB, na cidade de Londrina, local a partir do qual se dava um importante apoio logístico para estes camponeses. A orquestração destas ações militares foi desmantelando a organização armada camponesa.
O mais intrigante na Guerrilha de Porecatu não é o que já se disse sobre este capítulo da história, mas, sim, o silêncio que até hoje ainda grita, oferecendo claros sinais de que significou uma grande ruptura nas relações hierárquicas vividas no campo. Um silêncio que sempre foi conveniente para as elites agrárias do estado e que também, infelizmente, não foi quebrado pelas principais lideranças do PCB que se envolveram com esta experiência, talvez para evitar a própria necessidade de reconhecer os erros que cometeram em alguns aspectos da estratégia que adotaram junto aos camponeses. Tal silêncio chegou a se tornar título de um livro: “Porecatu: A guerrilha que os comunistas esqueceram” (Expressão Popular, 2011), escrito pelo jornalista Marcelo Oikawa. Nesse sentido, Osvaldo Heller da Silva lamenta a ausência de depoimentos que guardem a memória dos agentes envolvidos nesse episódio da história da luta pela terra. Muito do que se reconstituiu sobre Porecatu está baseado em pesquisas nos arquivos da DOPS ou então no que a imprensa noticiava naquele período. Sabe-se que muitas pessoas caíram por terra ou foram violentadas, mas há poucas análises e números mais precisos sobre o que foi a experiência de Porecatu. É provável que, em um primeiro momento, o próprio medo de retaliações tenha provocado esse mutismo coletivo.
Contudo, apesar dessa limitação, pode-se dizer que a Guerrilha de Porecatu provocou importantes desdobramentos para a história de luta e organização camponesa, não apenas no Paraná como também em todo o Brasil. A partir da experiência de Porecatu, os comunistas puderam repensar e reorganizar suas estratégias, passando a promover a criação de uma grande quantidade de sindicatos no Paraná. Além disso, diferente do que comumente se pensava, ao se relacionar automaticamente as origens das ligas camponesas ao nordeste e à figura de Francisco Julião, pode-se dizer que é na experiência de Porecatu que surgem as primeiras associações de lavradores do país, precedendo todas as demais organizações de ligas camponesas pelo país. Segundo Osvaldo Heller da Silva, durante os acontecimentos de Porecatu, as ligas camponesas “alcançaram seu apogeu, chegando ao número de 12” no Paraná.
A Guerrilha de Porecatu se tornou nodal para as demais experiências de luta camponesa, pois, em determinado momento, conseguiu ameaçar os interesses das oligarquias rurais, buscando romper com as relações de dominação e clientelismo político. Porecatu trouxe para o cenário político novas reivindicações, forçou uma nova representação social do homem e da mulher do campo, demonstrando que é possível construir uma organização camponesa com interesse de classe e unida em prol de um objetivo comum. Apesar de uma derrota no campo da luta armada, Porecatu é símbolo de uma vitória moral, pois é a semente da qual brotou muitas outras experiências de lutas nas quais camponeses e camponesas nunca mais deixaram de se ver como protagonistas de sua própria história.
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A Guerrilha de Porecatu e a afirmação da condição camponesa no Paraná - Instituto Humanitas Unisinos - IHU