Por: Patricia Fachin | 13 Dezembro 2016
A “grande lacuna do governo do PT” à frente da presidência da República nos últimos anos foi “não ter feito” uma “política industrial”, diz o economista Waldir Quadros à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone. Na avaliação dele, na última década “perdeu-se uma grande oportunidade de industrializar o país” e, diante da atual conjuntura recessiva, “a economia está arrebentada, as indústrias estão endividadas e o país fica, novamente, refém do agronegócio e, ao mesmo tempo, dependente do preço do mercado”, constata.
De acordo com o economista, a “situação de vulnerabilidade” econômica atual é “maior porque o país abandonou a indústria e adotou uma política de desindustrialização, com um câmbio favorável à importação, e uma taxa de juros que impede o investimento”.
Como consequência da crise econômica e do aumento do desemprego, Quadros chama atenção para a “queda da mobilidade social” e para a redução da renda das famílias. “Todos os analistas falam dessa queda da mobilidade social, mas ninguém fala da causa dessa situação, que é fruto das decisões equivocadas que a ex-presidente Dilma Rousseff tomou, ou seja, adotou uma política econômica que jogou o país na recessão”. E acrescenta: “Esses dias eu estava num debate e o pessoal estava comentando que a crise do país está relacionada com a PEC dos gastos, mas a PEC nem foi aprovada ainda. Esses efeitos que estamos vendo hoje são reflexo das decisões já tomadas no passado”.
Para ele, as medidas econômicas propostas pelo governo Temer estão “agravando o que a Dilma fez em termos de política monetária”. Como alternativa para sair do atual estado de recessão, Quadros frisa que é preciso retomar o investimento estatal em infraestrutura. “Teria que haver uma política econômica alternativa, com juros mais baixos, que retomassem o investimento, com um câmbio favorável à produção nacional”, diz.
Waldir Quadros | Foto: Beatriz Arruda/SEESP
Waldir José de Quadros possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo - USP e mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, onde atualmente é professor associado do Instituto de Economia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Desde a sua análise da Pnad de 2013, o senhor tem alertado para o fato de que está em curso um retrocesso social em cascata no país. Esse processo se agravou de lá para cá?
Waldir Quadros – O retrocesso que eu imaginava que ocorreria em 2014 não ocorreu, porque houve uma recuperação em relação a 2013, de modo que o primeiro governo Dilma terminou de forma positiva em termos de mobilidade social. Não há dados claros que expliquem a razão dessa recuperação em 2014, mas provavelmente o governo agiu para evitar a recessão. Mas esse retrocesso se iniciou em 2015 e se agravou em 2016. Eu acompanhei os dados de 2015 pela Pnad Contínua, que é trimestral e que diz respeito àqueles que estão ocupados ou procurando emprego, ou seja, é um retrato do mercado de trabalho, mas esses dados ainda não nos permitem saber o que está acontecendo com as famílias. De todo modo, os dados já indicam que houve um retrocesso social.
Em 2015 quem continuou empregado apresentou uma situação estável na estrutura social, mas, de outro lado, ao longo do ano o desemprego foi aumentando e, por conta disso, as famílias começaram a ser afetadas. Em 2016 a situação se agravou porque não só o desemprego continuou a crescer, como também a estabilidade que observávamos na estrutura dos ocupados não se manteve. Então, em 2016 tem uma dupla determinação da crise: o desemprego se acentuou e junto com isso piorou a situação dos ocupados, ou seja, há uma mobilidade descendente entre os ocupados. Esse é o cenário que observamos até o terceiro trimestre de 2016, ou seja, é um dado atual que já indica o que vamos observar em 2017, quando sair a Pnad 2016. A Pnad Contínua já antecipa o que será retratado na Pnad anual.
IHU On-Line – Diante desse cenário que o senhor descreve, já é possível estimar em que percentual a renda do brasileiro diminuiu? A partir dos seus estudos sobre a evolução da estrutura social brasileira, é possível estimar a qual patamar a renda irá regredir em comparação com outros momentos de crise econômica?
Waldir Quadros – Sem dúvida essa situação se reflete na perda da renda, e os dados já estão mostrando isso: a renda vem caindo e, nesse cenário de crise, vai continuar caindo. A queda da renda reflete o encolhimento do topo da pirâmide e a expansão da base da pirâmide. Certamente haverá uma regressão, mas eu não compararia essa recessão com a dos anos 90, embora o fenômeno que se vive hoje possa ser comparado.
Todos os analistas falam dessa queda da mobilidade social, mas ninguém fala da causa dessa situação, que é fruto das decisões equivocadas que a ex-presidente Dilma Rousseff tomou, ou seja, adotou uma política econômica que jogou o país na recessão. Obviamente que um ajuste precisaria ser feito, mas não do modo como ela fez. Ela se elegeu prometendo uma coisa e fez outra, jogou o país na recessão e agora ninguém sabe quando o país sairá dessa situação, porque recessão é uma coisa gravíssima, que tem efeitos terríveis para um país. Jogar um país na recessão é muito mais fácil do que tirá-lo, e o quadro hoje é bastante preocupante, porque não há nenhum indício de que o país sairá dessa situação.
Esses dias eu estava num debate e o pessoal estava comentando que a crise do país está relacionada com a PEC dos gastos, mas a PEC nem foi aprovada ainda. Esses efeitos que estamos vendo hoje são reflexo das decisões tomadas no passado. Estados como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, além da recessão que estão sofrendo pelo corte dos gastos estatais, sofrem ainda por conta da crise envolvendo a Petrobras, porque esses estados dependem do setor de petróleo que, ao estar em crise, afeta todas as cadeias ligadas a esse setor.
Nesse cenário em que estamos, a única forma de ativar a economia é através do gasto público, porque o setor privado não vai investir agora de forma significativa. Mas só se fala em cortes.
IHU On-Line - Muitos economistas têm criticado a PEC 55 porque ela propõe regular o gasto do Estado, mas argumentam que nada foi feito para estimular a economia. Como o senhor avalia as medidas adotadas?
Waldir Quadros – No fundo o atual governo está agravando o que a Dilma fez em termos de política monetária. O que precisa ser feito? Gastar, mas essa PEC limita o gasto. De onde é possível liberar espaço para o Estado poder investir? Da redução dos juros, porque aumentar a arrecadação é algo que não terá efeito neste momento, porque diante da recessão cai a arrecadação e não tem superávit. Agora, se cortarem os juros, libera-se espaço para começar a investir em infraestrutura, porque neste momento também não adianta reativar o consumo, uma vez que ninguém quer comprar por conta do aumento do desemprego.
Então, é preciso investir em atividades que geram empregos, como por exemplo, reativar o setor da Petrobras. A Operação Lava Jato deveria prender os donos das empresas envolvidas nos casos de corrupção, mas manter as empresas funcionando.
Mas quem está no governo é refém do mercado financeiro, e o governo Temer só ficará no poder enquanto fizer o que o mercado quer. Na última reunião do conselho, um empresário disse que Temer deveria aproveitar a sua impopularidade – já que não tem popularidade mesmo - para aprovar medidas impopulares. Então, Temer não fará nada de alternativo, e não existe nenhuma força política no momento se contrapondo de forma viável e apresentando uma alternativa ao que é proposto pelo governo.
IHU On-Line - Fazendo uma retrospectiva, que análise o senhor faz do modo como os governos petistas conduziram a política econômica brasileira nos últimos anos? O que poderia ter sido feito para que hoje houvesse uma alternativa econômica?
Waldir Quadros – Essa é a grande lacuna do governo do PT: não ter feito política industrial, ou seja, perdeu-se uma grande oportunidade de industrializar o país. Tivemos nos últimos anos governantes com alta popularidade, que poderiam ter investido em um desenvolvimento sustentável. E agora vem uma situação de crise e a economia está arrebentada, as indústrias estão endividadas e o país fica, novamente, refém do agronegócio e, ao mesmo tempo, dependente do preço do mercado. Se há uma crise das commodities, como houve com a redução do preço, o país fica vulnerável e passa a depender novamente do café, como era em 1929.
Hoje vive-se uma situação de vulnerabilidade maior porque o país abandonou a indústria e adotou uma política de desindustrialização, com um câmbio favorável à importação - e nós ficamos comprando produtos importados -, e uma taxa de juros que impede o investimento. É justamente esse o problema do Brasil.
Teria que haver uma política econômica alternativa, com juros mais baixos, que retomassem o investimento, com um câmbio favorável à produção nacional. A grande exceção foi o pré-sal, porque estimulava o conteúdo nacional, a industrialização, mas fizeram toda aquela “baianada” com a Petrobras e deixaram a situação econômica vulnerável.
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A economia está arrebentada e o país volta aos anos 30. Entrevista especial com Waldir Quadros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU